quinta-feira, junho 07, 2012

Política automotiva - saco sem fundo - PEDRO DA M. VEIGA e SANDRA POLÓNIA RIOS


O ESTADÃO - 07/06

Se a importância econômica do setor no Brasil deve ser discutida, seu poder de lobby e pressão é inquestionável
No dia 22 de maio, o governo federal anunciou medidas voltadas para reduzir a incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e o custo do financiamento à venda de automóveis e veículos comerciais leves.
Uma dessas medidas foi a liberação do valor das operações de crédito para financiamento dos veículos, pelo Banco Central, da base do compulsório recolhido pelos bancos.

Trata-se de uma medida inédita, se se considera o objetivo visado: apoiar as vendas de um setor industrial específico.

Nem seria necessário o ineditismo para ficar claro o que já se consolidou como um dos traços mais fortes da atual política industrial brasileira: o privilégio concedido ao setor automotivo, no que se refere à concessão de benefícios fiscais e creditícios e de proteção comercial.

Apenas 45 dias antes do anúncio das últimas medidas havia sido instituído o Programa de Incentivo à Inovação Tecnológica e Adensamento da Cadeia Produtiva de Veículos Automotores (Inovar- Auto), cuja principal característica é a concessão de benefícios tributários aos produtores nacionais, condicionada ao cumprimento de três de quatro requisitos: realização no País de um mínimo de etapas fabris; dispêndios e atividades de pesquisa tecnológica; dispêndios em engenharia e pesquisa básica; e adesão ao Programa Brasileiro de Etiquetagem Veicular do Inmetro. Nenhum dos requisitos é isoladamente compulsório, uma vez que a empresa pode escolher cumprir quaisquer três das quatro contrapartidas.

As medidas de apoio ao setor voltadas para o curto prazo sugerem que as políticas governamentais são "pautadas" pelas variações de estoque das montadoras. Ao menor sinal de queda nas vendas, novas medidas são imediatamente adotadas, como se o setor estivesse atravessando longo período de dificuldades. Longe disso, porém. Como se sabe, o setor automotivo registrou um crescimento expressivo de sua produção e de suas vendas no mercado doméstico nos últimos anos, passando ao largo da crise.

As medidas de médio e de longo prazos- sintetizadas no novo regime automotivo - incluem uma série de contrapartidas a serem exigidas das empresas para que estas tenham acesso aos benefícios do regime.

Já há, menos de dois meses depois do lançamento do regime automotivo, sinais de que não haverá surpresa quanto ao desfecho destas negociações. Matéria publicada no jornal Valor Econômico de 23 de maio informava que as empresas automobilísticas rejeitaram a fórmula que vincularia a redução do IPI à redução, em cinco anos, no consumo de combustível pelos automóveis fabricados no País.

Começamos bem, evitando a única contrapartida formulada pelo regime automotivo para atender a preocupações ambientais e climáticas.

A justificativa-padrão para este favorecimento da indústria automotiva - que tem longa tradição no Brasil, mas adquire hoje contornos caricaturais - invoca a relevância do setor na geração de empregos e seu peso na indústria.

Em geral, ninguém se dá ao trabalho de apresentar esses números e comprovarquea relevância do setor é tal que os privilégios que o beneficiam se justificam plenamente. Ao que parece, ça va sans dire (é dispensável falar nisso).

Se a importância econômica do setor no Brasil pode e deve ser discutida, seu poder de pressão e lobby - no Brasil e no mundo- é inquestionável. No caso brasileiro, talvez ajude a entender a pressa governamental em atender aos pleitos do setor o fato de que, em meados de 2011, as principais empresas fecharam com os sindicatos de trabalhadores acordos salariais plurianuais incluindo, além da reposição da inflação, ganhos reais e participação nos lucros e resultados (PLR). Em São José dos Pinhais, por exemplo, o acordo tem vigência até 2013 e prevê aumentos reais, abonos salariais e participação nos lucros e resultados.

Concluídos numa conjuntura em que a deterioração do quadro internacional já servia de justificativa para a redução da taxa Selic, esses acordos - típicos de períodos de expansão e elevada previsibilidade - são hoje um forte elemento de pressão sobre os custos do setor a que o governo parece disposto a responder positiva e incondicionalmente.

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