sábado, junho 02, 2012

O risco calculado do ex-presidente - LEONARDO CAVALCANTI

CORREIO BRAZILIENSE - 02/06

As frases de Lula revelam os planos do ex-presidente. O homem parece querer recuperar o tempo em que esteve em tratamento. Ele sabe que assim pode ser acusado de fazer campanha antecipada. É o menor dos problemas, quando o que está em jogo é o fato de ter escolhido o nome errado em São Paulo

Distante da Esplanada — das calcinhas encontradas no plenário da Câmara dos Deputados e de vibradores roubados em lojas na Asa Sul —, a campanha eleitoral parecia se mexer lentamente. Mesmo com um ou outro entrevero, as eleições seguiam discretas, quase caladas. Seguiam. Tudo mudou na noite de quinta-feira com a entrevista ao vivo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a primeira ao vivo desde que o homem encerrou o tratamento contra o câncer. O petista trouxe a disputa das urnas para o cotidiano ao fazer propaganda aberta para ele mesmo, para Dilma Rousseff e para o ex-ministro da Educação Fernando Haddad, pré-candidato do PT à Prefeitura de São Paulo. Tudo ao mesmo tempo.

Lula definiu todos os detalhes, desde a escolha do programa de televisão — o do Ratinho, do SBT — ao tempo que iria falar. E falou muito. Não poupou a voz nenhum pouco. Evidentemente, começou pelo câncer e, por tabela, a superação da doença. As frases foram pensadas letra por letra, sem deixar margem para questionamentos canalhas sobre o tratamento em hospital privado. No discurso do ex-presidente, todos os brasileiros deveriam ter acesso ao acompanhamento que ele teve. Se isso não é possível, não é culpa dele, mas sim da oposição, que derrubou o financiamento da saúde, a CPMF.

Os recados de Lula, entretanto, ainda estavam por começar. Primeiro endereçado aos eleitores de 2014: “Não há possibilidade de ter divergência entre a presidente Dilma e eu. Porque se tiver, eu me retiro. Serei cabo eleitoral para reeleger a presidente Dilma. A única hipótese de eu voltar a ser candidato é se ela não quiser. Eu não vou permitir que um tucano volte a presidir o Brasil”. Lula e o velho discurso messiânico estão de volta. Sem ele ou Dilma o país está perdido. Aqui não está claro, mas Lula concordaria com outro partido no poder para substituir o PT? A guerra é apenas com os tucanos?

Sim, a guerra é com os tucanos. Lula quer mais eleições ganhas pelo PT, independentemente da cor da legenda adversária, até porque o DEM e o PPS estão longe de alguma chance, e as demais são aliadas. O que ele fez ao citar os tucanos foi predefinir o adversário, algo natural. O impróprio é desconsiderar a saudável alternância de poder, jogá-la para o espaço — algo caro a países democráticos, como os da Europa. Lula e Dilma têm o direito de querer permanecer no poder. Até quando o eleitor quiser. E isso deve ser defendido por todos: a vontade do eleitor, e não a dos políticos. Saudemos as urnas.

A entrevista de quase uma hora não se completaria, no entanto, sem Fernando Haddad, que foi ao palco do programa para participar do show. Não precisou de muito esforço, um coadjuvante de luxo. A estrela, Lula, estava de volta à ribalta, a exaltar feitos e a queimar a oposição. Sem interlocutores contrários — e contando com as palmas do auditório —, o cara é imbatível. Até quem não gosta, é incapaz de discordar da capacidade do ex-presidente em encantar a plateia. Lula fez o filme de Haddad sem qualquer limite, a mais de um mês do começo oficial da campanha: “São Paulo precisa ter alguém com o entusiasmo que ele teve como ministro”, disse Lula.

Tal frase só pode ser explicada pelo receio de que Haddad perca a eleição. Há tempos Lula passou a ser visto como um bruxo político. As escolhas do ex-presidente pareciam mágicas, como a própria Dilma em 2010. Agora, o homem parece ter se equivocado. O ex-ministro ainda não decolou e, hoje, dá poucos sinais de que vai conseguir enfrentar o tucano José Serra. Por isso, a língua solta de Lula. Ele quer recuperar o tempo em que esteve em tratamento. Vai incensar Haddad até não poder mais. E, assim, corre o risco de receber sanções pela campanha antecipada. Mas isso é o menor dos problemas, quando o que está em jogo é o fato de ter escolhido o nome errado em São Paulo.

Outra coisa

É impossível se sensibilizar com a indignação explícita do deputado Silvio Costa (PTB-PE) contra o senador Demóstenes Torres (ex-DEM-GO). De tão estridente, parece algo falsificado, sem a emoção da revolta. E tudo ocorre no momento em que mais precisamos de alguma alma mais colérica de fato.

Se há algo de positivo na “explosão” de Costa, tal coisa passa pela avaliação de que as denúncias anestesiam integrantes da CPI do Cachoeira. “Não quer falar, tudo bem, é um direito constitucional”, dizem os integrantes da comissão de inquérito parlamentar. Qual o quê! O silêncio dos convocados é vergonhoso. Mas seria bem melhor ninguém se aproveitar de palanque político para se indignar.

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