quinta-feira, junho 28, 2012

Na gangorra - JANIO DE FREITAS

FOLHA DE SP - 28/06


Qualquer que seja a posição adotada por Dilma sobre o Paraguai, haverá ônus para a política externa brasileira


A SITUAÇÃO mais delicada em relação ao golpe parlamentar no Paraguai é a do Brasil. Qualquer que seja a posição a ser adotada pelo governo Dilma Rousseff, haverá ônus para a política externa brasileira e risco de problemas maiores com o vizinho ou na crescente projeção internacional do Brasil.
A chamada cláusula democrática, exigência de que os integrantes do Mercosul e da Unasul (União dos Países da América do Sul) sejam leais ao Estado de Direito Democrático ou sejam afastados, consta da política externa brasileira como princípio fundamental. É um legado, quanto à primeira entidade, ainda do governo Sarney e, quanto à segunda, do governo Lula, cofundador da Unasul.
Se a exigência prevalecer, seja por decisão conjunta de uma ou de ambas as entidades, ou por decisão unilateral do Brasil de esfriar as relações com o Paraguai, o problema dos brasiguaios ganha nova dimensão. Desde que Lula e Fernando Lugo conseguiram apaziguar o confronto violento que se iniciava entre os sem-terra paraguaios e os grandes fazendeiros brasileiros em terra paraguaia, os riscos arrefeceram. Na aparência e temporariamente, porém.
A grande ocupação brasileira, tanto legal quanto duvidosa, da imensa parte do território paraguaio dedicada à agricultura extensiva, é suscetível de explosão. Lá e cá admite-se que em alguma altura a área, ou boa parte dela, entrará em combustão, com o enfrentamento dos jagunços armados pelos fazendeiros e dos sem-terra que se armam cada vez mais.
É importante não esquecer, a propósito, que no Paraguai existe um núcleo de guerrilha em atividade e, provavelmente, beneficiário da indignação de jovens com a derrubada de Lugo. Ou, mais indignante para eles, com os que voltam a ser o poder nacional.
A maior distância entre os governos do Brasil e do Paraguai, mesmo sem corte de todos os canais, será um obstáculo para a prevenção de ataques aos brasiguaios e a diluição de novos confrontos abertos, como feito por Lula e Lugo. Deixar brasiguaios em dificuldades pode ser até uma forma de represália paraguaia à possível reprovação prática do Brasil ao golpe parlamentar.
Na ocorrência oposta, em que se preservariam as relações entre os dois países como se nada houvesse transfigurado o Paraguai, os brasiguaios e os sem-terra de lá estarão com as mesmas disposições. Mas o Brasil poderá tentar que os militantes paraguaios concedam ao seu novo governo a consideração que tiveram com Lugo e Lula. O êxito, no entanto, é muito improvável.
E, caso se dê, a política externa brasileira precisará descobrir onde colocar o seu princípio básico de cláusula democrática na América do Sul. Ele é o que é, e nenhuma fantasia lhe daria aparências de ser o que não for mais. Todo o prestígio conquistado pela política externa, nos últimos anos, se perderia depressa. E sem reserva de crédito moral para preservar alguma confiança sequer por parte dos seus demais vizinhos.

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