sexta-feira, junho 22, 2012
Juízes sem rosto - LUIZ FUX
O GLOBO - 22/06
Francesco Forgione, em recentíssima obra cognominada "Máfia Export", descrevendo com minúcias a atuação das organizações criminosas, revela quão influente é o poder de intimidação dessas entidades clandestinas que dominam 15% da economia marginal do planeta.
Coincidentemente, no momento histórico em que se rememoram as figuras de Giovanni Falcone e Paolo Borsalino, assassinados pela Cosa Nostra há mais de 20 anos, um magistrado brasileiro, responsável pela apuração do resultado de uma operação policial conducente a esclarecer vínculos da criminalidade no âmbito político, solicita o seu afastamento do processo no afã de não experimentar o amargo destino por que passaram seus heroicos paradigmas.
Covardia? Medo? Absolutamente não. O medo do medo é patologia denominada de "fobia". O temor do que pode realmente acontecer é a exata percepção da realidade; ou alguém já se esqueceu que a juíza Patrícia Accioli padeceu de morte violenta anunciada?
Os juízes são seres humanos que sofrem interiormente as inseguranças de sua família, são ameaçados e por vezes desmoralizados pela eficiência das organizações criminosas em confronto com a inoperância estatal.
O enfrentamento desse grave quadro social exige a implementação imediata de duas políticas públicas recentemente divulgadas pelo Executivo e pelo Judiciário.
O Executivo divulgou o denominado Plano de Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública, o qual, na sua essência, extermina a cultura da culpa e da exclusão da responsabilidade entre os órgãos públicos, um atribuindo ao outro as falhas que tanto agradam aos criminosos, para substituí-la pelo compartilhamento das ações enérgicas no combate à criminalidade.
O Judiciário, através do Supremo Tribunal Federal, decidiu no mês de maio do presente ano que é "constitucional" a criação pelos estados de varas criminais com titularidade coletiva, composta por vários juízes, para o combate dos crimes cometidos pelas organizações criminosas.
A estratégia responde a anseios nacionais e transnacionais. É que a Convenção de Palermo firmada pelo Brasil, o II Pacto Republicano e a Resolução n 3 do CNJ de há muito preconizam a instalação das varas de juízes sem rosto, à semelhança do que previsto no Código Antimáfia da Itália, no Tratado de Maastricht da União Europeia, no modelo Espanhol previsto na Ley de Enjuiciamiento Criminal (artigo 282) e nas experiências exitosas da França e da Colômbia.
Esses colegiados judiciais criados próximo à sede das organizações criminosas atendem o que Larry Kramer, professor da Universidade de Stanford, na sua obra "The Constitution in 2020", denominou de expectativa do povo quanto ao sentimento de segurança.
Os juízes, por seu turno, despersonificando os atos judiciais, uma vez que os mesmos são assinados em conjunto, desfocam os algozes da individualização da persecução.
A efetivação dessas medidas em todo o território nacional é capaz de retirar o nosso país da posição em que se encontra, no mundo, no âmbito da criminalidade e da ineficiência da apuração, fatores que geram sensação de impunidade e aumento da criminalidade.
A título de exemplo que nos ultraja a autoestima, o Brasil ostenta um recorde de homicídios superior à Índia, que tem cinco vezes mais o número de nossa população, sem considerar que a Inglaterra elucida 90% dos seus crimes; os Estados Unidos, 65%; a França, 80%; e o Brasil, 6%.
Gabriele Fornasari, versando o tema "Le strategie di contrasto ala criminalità organizzata", é categórico no sentido de que o mundo atual não se adapta mais à figura de um juiz único em confronto com as organizações criminosas, por isso é preciso tornar realidade essas políticas públicas que, preservando a alma do magistrado, o colocam, "sem rosto", diante da criminalidade, tal qual um agente desconhecido e infiltrado capaz de vencer esse flagelo por que passa a sociedade brasileira.
Afinal, o Brasil, que já permitiu tantas marchas e movimentos, deve iniciar uma "campanha pela vida digna da sociedade" e, sobretudo, por aqueles que almejam erradicar a marginalização para o bem de todos, ainda que para alcançarem esse desígnio sejam "homens sem rosto".
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