sábado, junho 16, 2012

Certos, mas pelas razões erradas - LIDIA GOLDENSTEIN


O Estado de S.Paulo - 16/06


O "Fla-Flu" entre as correntes econômicas se digladia no Brasil com os mesmos argumentos de sempre, cristalizados em seus dogmas que os mantêm à margem das transformações que vêm ocorrendo aqui e no mundo, tanto na realidade quanto nos estudos acadêmicos nos mais diferentes países. O debate recente voltou a focar o setor industrial brasileiro, cujo desempenho dos últimos meses escancarou os reiterados sinais de perda de competitividade que já vêm de longa data.

De um lado, os defensores do "mercado", contrários a qualquer política econômica que polua as engrenagens de regulação automática que na (sua) teoria corrigem os eventuais desvios de percurso, consideram que qualquer defesa da indústria é, por definição, uma intervenção perversa cujos retornos para o País serão sempre negativos. De outro, os defensores da indústria, para quem qualquer política de defesa do setor é bem-vinda, independentemente de seu custo e/ou maiores considerações de qualquer outra natureza. Os dois "times" criticaram as recentes medidas de política econômica anunciadas. Ambos estão certos, mas pelas razões erradas.

Para tentar recolocar o debate com outros parâmetros, é interessante começar com uma pergunta fundamental: por que queremos a indústria e que indústria queremos e/ou podemos ter?

Decidir pela importância da indústria nos levará a minimizar (não significa relevar) eventuais custos de uma política que incentive (diferentemente de proteger) o setor. Definir que indústria queremos nos permitirá avaliar as medidas tomadas à luz de um objetivo definido.

Quanto à primeira parte da questão, creio que a defesa da preservação de um setor industrial no País decorre, entre outros fatores, da sua importância na geração de empregos e na sua capacidade de contrabalançar eventuais crises cíclicas do setor de commodities, que, além de gerar ainda menos empregos que a indústria, é altamente vulnerável às vicissitudes da economia internacional, mesmo depois da entrada da China como grande comprador de minérios e produtos agrícolas. Uma economia totalmente dependente do agronegócio se tornará estruturalmente mais frágil.

Com relação à indústria que queremos a resposta é mais complexa, pois, de certa forma, não depende de uma decisão autônoma do País, dado que graças à intensificação da globalização e aos contínuos avanços tecnológicos, o setor manufatureiro continua passando por transformações radicais: novos softwares, materiais, processos de produção e distribuição e uma grande gama de serviços baseados na internet vêm rompendo as barreiras entre a manufatura e o setor de serviços e impondo uma dinâmica totalmente nova, inclusive com o surgimento de novos setores como importantes geradores de valor.

Enquanto isso, no Brasil a indústria que temos é, salvo exceções, uma indústria construída nos anos 50, cujos determinantes de competitividade, quando não dependem literalmente do fechamento da economia, dependem de parâmetros dados por um paradigma produtivo há muito obsoleto. No mundo atual não existe fechamento da economia ou qualquer outro tipo de proteção, seja física ou na forma de subsídios, que impeça sua perda de competitividade. Essa indústria está fadada a desaparecer.

Nesse cenário, só podemos querer e defender uma indústria moderna, competitiva, geradora de empregos qualificados e portadora de inovação. Mas, infelizmente, as políticas atuais de defesa da nossa indústria não são capazes de cumprir seu objetivo, pois se baseiam numa visão ultrapassada do setor. Protegem e cortam impostos, incentivam o consumo, mas não conseguem fomentar a renovação do setor manufatureiro.

A defesa de um setor manufatureiro brasileiro passa, inexoravelmente, pela introdução de uma indústria nova cujo grande diferencial seja a inovação, tecnológica ou de qualquer outra natureza. Uma indústria que depende de decisões estratégicas e da articulação entre Ministérios de Planejamento, Fazenda, Ciência e Tecnologia e Educação e de sinalizações de política econômica, não necessariamente financeiras, mas, eventualmente, inclusive financeiras.

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