quarta-feira, junho 06, 2012

Carisma e inocência - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 06/06


Nestes tempos em que originalidade é mercadoria em falta, em que quase nada nos surpreende, foi notícia fresca saber que o ator Wagner Moura iria se apresentar com Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá em dois shows promovidos pela MTV para comemorar os 30 anos da Legião Urbana, banda de rock que embalou a adolescência e juventude de uma geração inteira (a minha, inclusive) e que muitos consideram como a melhor de todos os tempos.

Não são comuns essas substituições, menos ainda quando o substituído é um sujeito idolatrado e messiânico como Renato Russo, e muito menos ainda quando não é um cantor profissional que assume o microfone. Alguém imagina o Robert Downey Jr. cantando ao lado de Krist Novoselic num tributo ao Nirvana? Eu não me incomodaria se a moda pegasse.

Wagner Moura é vocalista de uma banda amadora chamada Sua Mãe, o que já demonstra que não está muito interessado em lançar-se a sério no mercado fonográfico, mas o convite não veio daí, e sim por causa da cena em que cantou Será no filme VIPs: o personagem protagonista dava uma canja num bar, entre um golpe e outro.

Foi o que bastou para acender a lampadinha sobre a cabeça dos idealizadores da homenagem. É ele.

Correndo todos os riscos que as comparações provocam, Wagner topou, e que bom que topou. Deve ter pensado: “Quantas chances desperdicei quando o que eu mais queria era provar pra todo mundo que eu não precisava provar nada pra ninguém”.

Dançou feito um possuído, incorporou maneirismos do Renato, amou a plateia como se não houvesse amanhã e desafinou uma barbaridade sem perder o sorriso no rosto e o olhar arrebatado. Se divertiu a valer, que é pra isso que serve a vida. Estava vivenciando cada verso das músicas que cantava: “Quem me dera ao menos uma vez, como a mais bela tribo, dos mais belos índios, não ser atacado por ser inocente”.

Vibro com os inocentes, torço pelo time deles. São pessoas que saem da sua zona de conforto e testam-se em novos papéis sem queimar os neurônios. Nessa hora, somos todos atores sem texto, sem direção e sem rede de segurança, agindo por instinto e abraçando loucuras – perder tempo calculando prós e contras já é uma maneira de dizer não.

Wagner gosta de cantar, é fã do Legião, tem familiaridade com o palco e viu no convite uma chance de fazer outro tipo de teatro. Não podia dar errado, mesmo com todas as desafinações previstas. Não podia porque as coisas feitas com espontaneidade, sem almejar algo além do momento vivido, já saem em vantagem. E porque Renato Russo havia cantado essa pedra quase três décadas atrás: “Quem um dia irá dizer que existe razão nas coisas feitas pelo coração? E quem irá dizer que não existe razão?”.

Poesia. É ela que sempre nos salva do ridículo e dá à vida uma transcendência cada vez mais necessária.

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