domingo, junho 17, 2012

Berço e tumba da democracia? - CLÓVIS ROSSI

FOLHA DE SP - 17/06


Os gregos votarão de novo contra o rigor; ou se respeita o voto, ou se nega a essência da democracia


Atenas, a cidade em que nasceu o conceito de democracia, pode servir agora de tumba para ela. Basta que a União Europeia desrespeite a ideia fundamental de que cabe ao povo (demo) de uma dada comunidade ser o soberano para tomar as decisões que afetam a sua vida.

Os gregos, na eleição de maio, já deram seu veredicto: são contra o rígido ajuste orçamentário imposto pela "troica" (União Europeia/Fundo Monetário Internacional/Banco Central Europeu), em troca de empréstimos volumosos supostamente destinados a evitar a falência da Grécia.

(Já não é falência um retrocesso econômico que elevou o desemprego a mais de 22%?)

Na eleição de hoje, o resultado não será diferente, ainda mais que até a Nova Democracia, o partido conservador que é apontado como pró-acordo, já avisou que, se ganhar e conseguir formar governo, quer renegociar os seus termos. É também o que tem dito a Syriza, a coligação de esquerda, que disputa com a Nova Democracia o primeiro lugar.

Se os eleitores gregos derem a seus líderes, sejam quais forem, o mandato para permanecer no euro, mas renegociar os termos impostos pela "troica", a Europa não tem o direito de rasgar esse mandato e, por exemplo, negar-se a uma renegociação ou, pior ainda, expulsar a Grécia da eurozona.

Já basta com o fato de que a Europa impôs ao país um governo ilegítimo, em novembro do ano passado, ao forçar a renúncia de George Papandreou para entronizar Lucas Papademos, um tecnocrata que não precisou passar pelas urnas, componente essencial do sistema democrático.

Na maré de más notícias para a Grécia que têm vindo associadas à palavra Europa, surgiu agora uma tímida luz: o jornal "Le Monde" anuncia que os responsáveis europeus (não identificados no noticiário) estão preparados para flexibilizar os prazos para o cumprimento das metas impostas pela "troica".

Os objetivos continuariam os mesmos, mas a Grécia ganharia algum espaço para chegar a eles.

Já é alguma coisa, mas não basta. É preciso rever todo o pacote. Não por piedade dos gregos asfixiados, o que revelaria humanismo demais em líderes contemporâneos, mas porque o plano fracassou até do ponto de vista de seus objetivos de reduzir deficit e dívida.

A alternativa seria forçar a saída da Grécia do euro, um tiro no próprio pé, como escreve Christopher Alessi, responsável por economia global no site do Council on Foreign Relations:

"Um evento tão sem precedentes poderia potencialmente desmanchar todo o bloco [do euro]. Uma saída imporia perdas aos credores oficiais da Grécia -incluindo o Banco Central Europeu, governos da eurozona e o Fundo Monetário Internacional-, além de instituições financeiras em toda a Europa que mantêm dívida grega".

A saída seria "um pesadelo econômico e político, o que a torna impraticável", reforça no "Financial Times" Lorenzo Bini Smaghi, ex-diretor do Banco Central Europeu e hoje pesquisador em Harvard.

Respeitar, pois, a democracia é a pior das alternativas, salvo todas as outras, para parafrasear Winston Churchill.

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