domingo, maio 06, 2012
A vez da liquidez - AMIR KHAIR
O Estado de S.Paulo - 06/05/12
O governo deu um passo importante ao iniciar o combate às taxas de juros bancárias. É uma cruzada que tem tudo para dar certo, mas não é de se esperar resultados contundentes para já. O rumo está certo e a presidente, como afirmei em artigo anterior, tomou para si a condução desse processo. No dia 30, usou cadeia nacional de rádio e TV para reafirmar seu compromisso em trazer essas taxas para níveis civilizados e atacou os bancos privados que ainda teimam em manter as taxas em níveis insustentáveis. O combate à agiotagem bancária ganha corpo e apoio na sociedade. No Dia do Trabalho, as centrais sindicais colocaram em destaque essa questão.
Parece claro ao governo e à maioria das análises que novas medidas devem ser adotadas para forçar os bancos privados a operar com taxas equivalentes às dos bancos públicos. Em artigo anterior citei como principal a continuação da queda da Selic. Essa queda reduz os ganhos de tesouraria dos bancos e ajuda a direcionar a ação bancária para a oferta de crédito. O mesmo vale para a redução das escorchantes tarifas bancárias. Outro poderoso aliado nesse embate é dosar o porcentual de depósito compulsório no Banco Central (BC) de acordo com a taxa de juro praticada pelo banco.
A redução da Selic a níveis inferiores a 8% ao ano vai esbarrar no ganho das cadernetas de poupança e, para atacar esse problema, o governo mudou a partir do dia 4 as regras da caderneta, vinculando seus rendimentos à Selic, se ela ficar abaixo de 8,5%. Isso abriu o caminho para os recuos da Selic, o que permitirá a redução dos juros.
O que se espera ao fim desse processo é uma mudança qualitativa no sistema financeiro, que passaria a depender da ampliação da clientela como motor de sua expansão. A sociedade poderá contar com mais recursos à sua disposição o que vai na linha do desenvolvimento saudável do País.
Vamos acompanhar esse embate, que tem apoio na sociedade e tem em cada cliente de banco um importante aliado.
Tsunami. A crise no cerne do sistema capitalista está sendo combatida com uma explosão de liquidez feita pelos bancos centrais dos países desenvolvidos para salvar seus sistemas financeiros da derrocada. A injeção de moeda deve beirar os US$ 10 trilhões! Na zona do euro, elo mais fraco do sistema capitalista, as emissões nos últimos anos elevaram a base monetária de 2 trilhões em 2000 para 5 trilhões. Os Estados Unidos elevaram sua base monetária de menos de US$ 1 trilhão antes da crise para US$ 3 trilhões. Essa inundação de moedas desvalorizou-as em relação às moedas dos países que não usaram a mesma estratégia. Isso distorceu a concorrência internacional entre as empresas, prejudicando aquelas sediadas em países que não alteraram suas bases monetárias. Urge corrigir essa distorção e só vejo como forma eficaz nesse embate o uso da mesma arma, ou seja, a elevação da base monetária.
O governo, tentando se defender dessa avalanche de moedas que está empurrando para o chão a indústria brasileira, está usando estratégia inadequada. Tenta enxugar o excesso de dólares que invade o País por meio da compra de dólares pelo BC. É uma operação tipo enxuga gelo, que custa muito caro ao País, pois para cada dólar comprado é emitido o correspondente em real, que depois é retirado de circulação via emissão de título da dívida do Tesouro Nacional, que onera juros de 9% ao ano. Fora a operação enxuga-gelo, o governo tenta estimular a indústria com desonerações tributárias pontuais a determinados setores e maior facilitação de operações de crédito. Essas medidas têm impacto favorável, mas de efeito limitado. O que importa é dar competitividade a todas as empresas sediadas no País e isso se faz por meio de intervenção não onerosa no câmbio, via emissão monetária.
Nesse sentido venho sugerindo em artigos que o governo, em vez de continuar a emitir títulos de dívida que oneram juros, deveria emitir moeda até atingir nível condizente com o que operam economias de países emergentes, que têm inflação semelhante à nossa. Trata-se de ampliar substancialmente a liquidez da economia. Como se verá a seguir, felizmente há espaço para isso.
M1. Uma das principais medidas da liquidez é o M1, que é um agregado monetário que engloba o dinheiro em circulação mais os depósitos em conta corrente nos bancos. Chama a atenção o M1 do Brasil, que desde 2000 oscila entre 5% a 6% do PIB. É muito baixo em comparação com os demais países.
O gráfico 1 compara o Brasil com países emergentes, que apresentam níveis superiores a 10%. O último dado disponível é de 2010: Argentina e México 12%, Índia 19%, África do Sul 31% e China 60%. Na zona do euro, o M1 estava em 2010 em 50% e no Japão, 104%.
O gráfico 2 mostra a evolução do M1 no Brasil desde 1970, quando foi de 15%, caindo a partir de 1973 até atingir 2% em 1993 e passando a subir até 5% em 2000, quando se estabiliza. Em teoria, o M1 se relaciona inversamente com a inflação. Na prática, no entanto, nem sempre isso ocorre. Quando o M1 assumiu seu mais alto nível no entorno de 15%, na primeira metade da década de 70, a inflação girava em torno de 20%, portanto cerca de quatro vezes o nível atual.
Se o M1 fosse gradualmente elevado pela emissão monetária até o nível de 12%, seriam economizados anualmente em juros R$ 23 bilhões por ano. A dívida do setor público cairia R$ 250 bilhões, levando-a abaixo de 30% do PIB, e o câmbio poderia ficar acima de R$ 2 por dólar, contribuindo para ampliar a competitividade das empresas e indo na direção do equilíbrio nas contas externas.
Risco de inflação. Essa ampliação da liquidez não foi feita, pois o governo teme que vá causar inflação. De fato, a desvalorização cambial num primeiro momento encarecerá os importados, mas quem exporta procura estabelecer o preço levando em conta os preços praticados no mercado de destino. Com a desvalorização do real, o preço do produto importado também pode ser reduzido, dada a superoferta internacional, com preços sendo derrubados. Assim, no momento seguinte os preços podem se acomodar, não gerando inflação.
A ampliação do M1 é necessária e fundamental para contribuir para o equilíbrio nas contas internas e externas e devolver às empresas a competitividade que lhes foi tomada. É a vez da liquidez.
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