quarta-feira, maio 09, 2012
Surrealismo & Cia - ROSÂNGELA BITTAR
Valor Econômico - 09/05/12
Para fazer o que deseja a nova entidade Collor-PT, inimaginável há 20 anos, mas produzida agora em todos os seus contornos, à luz do dia, na CPI do Cachoeira, o inquérito implodiria antes mesmo do começo dos trabalhos. A entidade quer "pegar" o procurador-geral da República, Roberto Gurgel; a imprensa - a começar da revista "Veja" - e aproveitar a oportunidade para retomar com vigor a proposta de controle da mídia; e o PSDB, na figura do governador de Goiás, Marconi Perillo. Tudo com muito sigilo, o que é contradição evidente, mas Collor certamente quer evitar o que os seus acusaram o PT de fazer com ele na CPI do PC, quando passava à imprensa e ao Ministério Público as informações que ali transitavam.
Para o que tentar escapar desse roteiro, com texto e modo de operação prontos, em que a agressividade de Collor seja bem explorada pelo PT para substituí-lo em algumas ações, a ordem é atropelar.
Tanto o presidente da CPI, Vital do Rêgo (PMDB-PB), quanto o relator, Odair Cunha (PT-RS), dificilmente, por querer ou precisão, agirão fora do jugo da entidade. Quanto mais não seja, por intimidação.
A oposição já tem um código de conduta na CPI
Mas a oposição, numérica e politicamente fragilizada, não se considera aniquilada já de saída e prefere esperar ter os dados que lhe permitam definir se dá para participar da investigação ou não. Por enquanto, não quer desistir.
Numa reunião ocorrida esta semana, os senadores Alvaro Dias (PSDB), Jarbas Vasconcelos (PMDB) e Randolfe Rodrigues (PSOL), debateram essa situação que se configurou na CPI, e o assunto que emergiu da conversa tem clareza objetiva. A CPI, constataram, pode realmente ficar incontrolável. Primeiro, é uma comissão que começa seus trabalhos ao contrário das outras, de início tomando conhecimento de inquéritos já feitos e já vazados para a imprensa. Há inquéritos concluídos e outros, não. Antes, as CPIs apresentavam sugestões de providências ao Congresso, ao Ministério Público e à Polícia Federal. Agora, a PF mandou o inquérito pronto à CPI.
Diante dessa inversão, a oposição acredita que um bom projeto de ação seria trabalhar em duas vertentes. Uma, para tentar saber a extensão do poder do Cachoeira, suas ligações com autoridades federais e estaduais, a pouco esclarecida mistura de suas atividades com as da empreiteira Delta, a relação com governadores. Outra, abrir a caixa preta da Delta. Se isto não for feito, de nada adiantará a tarefa da CPI, vez que as informações já foram prestadas à polícia nas duas operações investigadas.
Embora a Delta seja, as investigações concluídas mostram, uma expressão ponderável do PAC e de vários governos de Estado e grandes cidades, a oposição não quer, segundo diz, usar métodos do PT quando o partido era oposição. Sabem todos que há muitos outros governos envolvidos com a empreiteira além dos de Goiás, Distrito Federal e Rio, mas ponderam que, no momento em que houver transparência nos dados da empresa, será possível verificar que ela, em alguns lugares, não teve uma presença irregular, e em outros, ou até mesmo na maioria, agiu de maneira nefasta. O que é mais coerente com o que apontam as gravações de conversas divulgadas até agora.
A oposição se diz decidida a fugir do protesto juvenil, não quer de maneira alguma aproveitar a CPI para atingir a presidente Dilma ou o governo. Por isso defende que a Delta seja investigada não apenas com relação ao PAC, mas nas suas demais ações Brasil afora.
Isto significa, e a oposição defende, a convocação dos governadores dos três Estados que se relacionaram com a empreiteira, segundo as transcrições dos grampos da polícia, sejam filiados ao PSDB, ao PT e ao PMDB (como é notório). Nenhum desses partidos pode resistir à chamada a seus governadores, segundo crê a oposição. Os três têm que ser convocados, se possível juntos, para evitar que um compareça e os demais consigam licença para a ausência.
A presença do senador Fernando Collor, o que, convenhamos, já dá uma aura de surrealismo a qualquer CPI; sua associação com o PT, que lhe resgatou a cidadania política, vez que a eleitoral tinha obtido sozinho, para transformar a comissão em campo de guerra contra os inimigos comuns, e a ação intimidatória que sua conduta exerce sobre o presidente - agressividade que empalideceu Vital do Rêgo várias vezes como já havia tirado a cor de Pedro Simon em plenário - transforma aquilo em um teatro. Do absurdo. Tanto que ainda há, na CPI e ao mesmo tempo nos autos da PF, o ex-delegado Protógenes Queiroz (PCdoB), autor da célebre Operação Satiagraha, supostamente para prender e tirar do mercado o "banqueiro bandido" Daniel Dantas, mas que cometeu tamanhas irregularidades que acabou se afastando léguas da Justiça enquanto se aproximava a passos largos de um mandato. Teatro sendo, vai ser muito difícil a oposição fazer o que articula nos bastidores.
A visão negativa tem lógica, e a decisão de dar caráter sigiloso ao primeiro depoimento, ontem, é prova disso. Mas, adverte-se, está tudo muito no começo. A oposição, com algumas de suas condutas comuns a um grupo de representantes de partidos governistas, está disposta, para não ser aniquilada de início ou ver implodida a CPI, a reunir-se, debater os assuntos, juntar-se, fazer um trabalho que está definindo como "objetivo, racional, cuidadoso".
Com isso acredita poder criar pelo menos algum constrangimento, não custa experimentar, à entidade Collor-PT, para conseguir realizar alguma investigação sobre a Cachoeira-Delta. Acha cedo, porém, para avaliar o que vai apurar, se vai se sair bem ou mal. Dar em nada ou dar em tudo. Em três semanas será possível observar o desdobramento disso e concluir se o trabalho é válido.
Na CPI da corrupção, Collor e PT, agressivos, querem transferir à imprensa a condição de ré. Já Dilma Rousseff declarou guerra aos bancos privados em tom acima de uma relação polida. Corre o risco de uma inspeção nos bancos oficiais mostrar que ela não tem exemplos a dar nas instituições do governo. Prepara-se para a Rio+20 incendiando a disputa de interesses, enquanto ameaça com veto total o trabalho do Parlamento. O ar em Brasília está carregado.
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