sexta-feira, maio 04, 2012
Suicídio, modo de usar - BARBARA GANCIA
FOLHA DE SP - 04/05/12
A humilhação constante, do tipo praticado pela internet, tende a transformar o jovem em um indivíduo deprimido
NOSSA MOLECADA está doente. Sabemos que o drama maior é o homicídio, que extermina os jovens da periferia em proporções epidêmicas, mas agora demos também para ver aumentar nossos índices de suicídio.
Nos últimos tempos, até as escolas particulares, que educam nossas crianças mais bem amparadas, foram castigadas pelo drama. Contam-se um, dois, três suicídios seguidos -ou mortes que aparentaram ser propositais- nas escolas mais tradicionais da cidade.
De 1980 a 2000, no grupo dos 15 aos 24 anos, o suicídio cresceu impressionantes 1900%. E os índices continuam subindo. Por quê?
Bulimia, anorexia, automutilação, dependência, violência doméstica, abuso físico e sexual, haveria uma série de argumentos para explicar o fenômeno. O dr. Jair Mari, professor titular da Escola Paulista de Medicina e pesquisador da Unifesp é especialista em doenças mentais e está preparando um estudo a respeito. Diz ele que o país só dedica 2% do orçamento da Saúde às doenças mentais (como depressão, dependência química, alcoolismo, esquizofrenia e bipolaridade), enquanto outros países, como Inglaterra e Canadá, reservam 11% de seu budget para tratar e estudar esses males. "Cerca de 75% dos problemas mentais começam a se desenvolver entre os 12 e os 24 anos", diz. "E nós não estamos prestando atenção".
Em Campinas, SP, um estudo constatou que 17% da população admitiu em algum momento ter tido uma ideação suicida. Dos pesquisados, 5% chegaram a elaborar um plano e 2% tentaram chegar às vias de fato. O dr. Jair não concorda com a assertiva de que o bullying deve ser tratado como fato da vida, algo que sempre existiu e que certo nível de agressividade faz bem ao desenvolvimento. "A humilhação constante, especialmente agora com as redes sociais, tende a transformar o jovem vulnerável em um deprimido", diz.
Um estudo epigenético observou dois grupos de ratos. Uma mãe com filhotes que cuidava deles e outra que não olhava para os seus. Constatou-se que o sistema neuroendócrino dos ratinhos que foram protegidos desenvolveu-se melhor, prova de que o ambiente é um fator determinante no desenvolvimento mental.
Isso vem diretamente de encontro com o grave problema da gravidez na adolescência e das políticas que adotamos para enfrentar a gravidez indesejada. Ainda assim, isso não bastaria para explicar o aumento do suicídio entre as camadas mais amparados da sociedade.
Pois recentemente o FDA (Food and Drug Administration, órgão que regula a venda de medicamentos nos Estados Unidos) começou a questionar a efetividade de se ministrar antidepressivos a pacientes jovens. O assunto é polêmico e está gerando rebuliço.
O que se discute é que em uma população mais propensa a comportamentos de risco, a retirada do medicamento depois de um período de uso prolongado pode ter consequências. De uma hora para a outra, aquele jovem vulnerável que estava amparado da dor pelo medicamento ficará muito mais exposto à falta de estrutura para lidar com a frustração.
Teria sido melhor não dar a ele nenhum antidepressivo em primeiro lugar? A discussão lá nos EUA está aberta. Conversa que deveria estar mais do que encerrada por aqui é aquela sobre a de gravidez indesejada. A corajosa ministra Eleonora Menicucci bem que poderia voltar a tocar no assunto. Caminhada iniciada, que se dê o segundo passo.
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