terça-feira, maio 22, 2012
Razões do pêndulo - JOSÉ PAULO KUPFER
O Estado de S.Paulo - 22/05
Os recursos externos, que até nem dois meses atrás ingressavam com tanta volúpia - contribuindo para uma excessiva valorização do real -, começaram a dar no pé. Ao mesmo tempo em que as ofertas de crédito passaram a escassear, os pregões na Bolsa recuaram a ponto de comer os ganhos do primeiro trimestre, e mesmo projetos com o concurso de capitais externos diretos, já perfeitamente definidos, subiram no telhado ou encolheram.
Não é fácil entender mudança de humor tão abrupta. As manifestações de preocupação com os rumos da economia brasileira, que agora estão pipocando na imprensa especializada internacional, não ajudam muito a encontrar as verdadeiras respostas. Aparentemente, os analistas e os investidores que seguem suas orientações acabam de "descobrir" que, com o estilo de crescimento vigente, a economia brasileira bateu no muro.
Com baixo investimento e baixa poupança, crescer com base no consumo, sobretudo quando este é impulsionado pelo crédito, tem limites. O crescimento modesto do PIB em 2011 e a perspectiva de que uma expansão tímida se repita em 2012 teriam acendido luzes amarelas e chamado a atenção para as fragilidades estruturais da economia brasileira, resumidas numa história nem tão recente de baixa produtividade. Será que só agora os entraves apareceram?
O diagnóstico estrutural é verdadeiro - e não é novidade. Por isso, seria um tanto ingênuo acreditar que a possível virada do pêndulo se deva a essa "descoberta". São outros os motivos, com origens a um oceano de distância, que encabeçam a lista das verdadeiras novas rejeições ao antes "queridinho" dos aplicadores externos.
Nas últimas semanas, a crise na Europa piorou muito e ninguém sabe o que acontecerá com um calote da Grécia e sua saída da zona do euro, duas possibilidades cada vez mais presentes. O sistema bancário dos países encalacrados do continente, adicionando nuvens carregadas ao ambiente, dorme no fio da navalha e já não se discorda de que, sem a liquidez produzida pelo Banco Central Europeu, a possibilidade de colapso em cadeia é enorme. Está claro agora que as análises indicando lenta, mas firme, recuperação europeia, comuns há nem seis meses, eram mais do que otimistas - refletiam armadilhas ideológicas.
Tantas incertezas e tanto medo do desconhecido estão causando um nível inédito de aversão ao risco, nos mercados financeiros. As corridas aos bancos, nos países europeus mais afetados pela crise, cada vez mais frequentes, provam isso e, num quadro assim, nada mais natural que o refluxo de recursos para o dólar, mesmo diante de uma recalcitrante recuperação da economia americana. A ordem é "voar para a qualidade", ainda que, depois de 2008, os requisitos da qualidade tenham sido rebaixados.
A memória costuma ser curta e, por isso, não custa lembrar que ocorreu, faz exatamente um ano, uma outra onda de rejeição da economia brasileira, no mesmo estilo. Na época, o temor era o de uma bolha de crédito, que, de certo modo, e em versão mitigada, insuficiente para repelir investimentos, só foi dar as caras neste primeiro trimestre de 2012.
Na origem daquele sacolejo na posição brasileira de "queridinho" do mercado financeiro, estava a sensação de que as coisas, depois de um momento em que pareciam apontar para o bom caminho, não melhoravam na economia global, dando margem a avaliações de que se estava às portas de um "duplo mergulho". Quanto ao Brasil, então com juros domésticos no pico e a valorização do real em ponto máximo, os alertas ganharam espaço na mesma imprensa especializada internacional que hoje acolhe análises pessimistas sobre o Brasil. Na época, em agosto, derrubaram a Bolsa abaixo de 50 mil pontos. Logo, contudo, as advertências morreriam de inanição, por falta de fatos reais que as alimentassem.
Agora a situação está bem diferente - e bem menos atraente, de fato, do ponto de vista do investidor externo. A velha aversão ao risco alcançou níveis desconhecidos em décadas. No Brasil, câmbio e juros mudaram de direção, espremendo a rentabilidade das aplicações. Isso sem falar nos potenciais impactos negativos dos recuos nos mercados globais de commodities sobre empresas brasileiras do setor, como Petrobrás e Vale, que respondem por quase metade do movimento da Bolsa brasileira.
A moral da história é que, momentaneamente, o Brasil está deixando de ser o "queridinho" não propriamente pelos seus problemas econômicos estruturais, mas pela conjuntura internacional e pelo corte, com juros mais baixos e câmbio mais alto, na rentabilidade das aplicações externas. Se aproveitar a oportunidade e atacar suas reais fragilidades, deixar de ser o "queridinho" dos mercados financeiros pode ser não o problema, mas parte da solução para o País.
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