segunda-feira, maio 07, 2012
Pagando para apanhar - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S.Paulo - 07/05/12
De conivente com os seguidos maus-tratos que o governo de Cristina Kirchner vem aplicando às exportações brasileiras, o governo de Dilma Rousseff se dispõe agora a estimular a Argentina a agir como tem agido. Como que movido por um injustificável complexo de culpa - que o impede de cumprir o papel que dele se espera, de defesa dos interesses do País -, aos maus modos com que os fiéis servidores de Kirchner tratam os produtos brasileiros, o governo do Partido dos Trabalhadores responderá com oferta de crédito para as exportações argentinas.
É como se estivesse disposto a pagar para que a economia brasileira continue a apanhar. Por coincidência, o volume a ser financiado pode chegar exatamente ao valor do superávit comercial registrado pelo Brasil no comércio com a Argentina em 2011, de US$ 5,8 bilhões, como admitiu o secretário executivo do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Alessandro Teixeira.
Se chegar a esse montante, o financiamento será maior do que o superávit que o País alcançará neste ano no comércio com a Argentina. As medidas protecionistas que, contrariando as regras do comércio internacional, o governo Kirchner adota há tempos estão provocando forte queda das importações de todas as origens.
Mas entre os parceiros comerciais mais prejudicados pelo crescente protecionismo kirchnerista está o Brasil, principal sócio da Argentina no Mercosul - bloco comercial que, na prática, está se tornando cada vez menos relevante por causa de medidas como as adotadas pelos argentinos, que reduzem sua condição de união aduaneira a uma mera formalidade. Em abril, as exportações brasileiras para a Argentina caíram 27% em relação às vendas de abril de 2011.
Medidas protecionistas, muitas disfarçadas de providências administrativas, são cada vez mais usadas pelo governo argentino. Continua a aumentar, por exemplo, a lista de produtos para os quais não há mais licença automática de importação - o que dificulta o comércio. Além disso, quando concedida, a licença tem demorado mais do que os 60 dias permitidos pela Organização Mundial do Comércio (OMC).
Desde fevereiro está em vigor a exigência de apresentação prévia, pelo importador, de uma detalhada declaração juramentada à Administração Federal da Receita Pública (Afip), equivalente à Receita Federal do Brasil. O documento é analisado também por outros órgãos do governo, que não têm prazo para se manifestar, o que retarda um processo já complicado.
O resultado do controle mais severo das importações pelas autoridades argentinas, de um modo que vem sendo criticado cada vez mais duramente por seus parceiros e questionado na OMC, não poderia ser outro: atraso na liberação dos pedidos de importação e o acúmulo de mercadorias na alfândega.
"Há um desordenamento total no fluxo do comércio exterior", resumiu a presidente executiva da Bracelpa (que reúne os produtores brasileiros de papel e celulose), Elizabeth de Carvalhaes, para o jornal Valor (2/5). Cerca de 40% dos embarques de papel e celulose feitos entre janeiro e março foram retidos nas alfândegas e as remessas de abril foram totalmente bloqueadas.
O protecionismo argentino afeta boa parte da produção local, que o governo Kirchner diz querer proteger. Muitas indústrias argentinas, em tese protegidas pelo governo, dependem de componentes importados. É o caso das fabricantes de geladeiras, que utilizam compressores fabricados no Brasil. A indústria de liquidificadores utiliza vários componentes importados, como copos chineses. Boa parte da indústria de vestuário emprega tecido importado.
Para o consumidor final, o produto considerado nacional fica mais caro ou começa a faltar nas lojas. Sem contar que produtos finais importados - entre os quais alimentos, eletrodomésticos e brinquedos - também desaparecem das prateleiras.
Os exportadores brasileiros, além dos transtornos causados pelo aumento das exigências argentinas, são onerados com o aumento dos custos logísticos ou mesmo perda de negócios. O governo Dilma parece concordar com tudo isso.
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