terça-feira, maio 15, 2012

Nossa cortina de ferro - JANIO DE FREITAS

FOLHA DE SP - 15/05


A tarefa da comissão é muito mais complexa e improvável do que, em geral, se tem suposto



A Comissão da Verdade concretiza-se, amanhã, apoiada no otimismo que antecede as perspectivas muito desejadas e afinal vislumbradas. Mas não é o caso de otimismo algum. A tarefa da comissão é muito mais complexa e improvável do que, em geral, se tem suposto.

A confiança que está depositada na eficácia da comissão supõe nela poderes mágicos, capazes de enfim diluir todos os obstáculos -inúmeros e muito variados- que há mais de um quarto de século são como uma cortina de ferro à brasileira, verde-oliva.

A confiança justificada é a merecida pelos componentes da comissão, escolha preciosa à qual, por mim, faltou acrescentar José Gregori.

Os obstáculos que compõem a cortina não abriram sequer frestas, por ter sido aprovada a comissão. Estão todos aí, os mesmos. O "Tortura Nunca Mais", a Comissão Justiça e Paz e outras entidades fizeram pela justiça histórica e pela verdade humana uma obra extraordinária de coragem, abnegação e competência. Até encontrarem, sem mais recursos do que aqueles valores, os obstáculos que agora cabe à comissão, dotada de novos meios, enfrentar.

A própria Comissão da Verdade resulta da cortina de ferro. Já foi dito muitas vezes, "a Comissão da Verdade é o possível, nas circunstâncias". Ou não são democratas mesmo, ou não merecem ser vistos como sinceros, os que defendem a anistia "aprovada" pelos serviçais do regime no Congresso.

Para autores de crimes de morte com esquartejamento, assassinatos de empalados, e por enforcamento, por excesso de pancadas e choques, por amputações, pelas torturas mais horrendas. São monstros de desumanidade. Nisso equivalentes aos que enojaram o mundo por fazerem as mesmas coisas nos campos de concentração nazistas e com prisioneiros, civis mesmo, nas zonas da guerra.

Não há por que contar-se com repentinos acessos de coragem dos coronéis Ustras e dos policiais que com eles agiram, para regurgitarem as verdades dos seus feitos, só porque postos diante da comissão. Arquivos vão ser descobertos e estripados, é provável que outros sejam entregues, mas não será fácil obter colaborações para as respostas mais negadas até aqui. Por exemplo, a localização dos corpos desaparecidos.

Mesmo a aparente colaboração pode ser ardilosa, levando ao desvio de pesquisas para caminhos vazios -como já se deu tantas vezes no Araguaia e com despojos em São Paulo. Exemplo disso, bastou aproximar-se a hora da Comissão, logo apareceu um ex-torturador a expor farta salada de crimes reais da repressão e ficções amalucadas (a morte do delegado Sérgio Fleury valeria por todas as histórias: morreu de uma pedrada na cabeça -pedrada em uma lancha). Já outros se oferecem.

O otimismo fará esperar por verdades a que a Comissão, provavelmente, não poderá chegar. O que tenderia a provocar deduções e cobranças. Daí a importância da escolha de seus integrantes: não cabe dúvida alguma de que todos levam para a comissão seriedade e empenho no melhor grau.

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