sexta-feira, maio 11, 2012

Não basta ter juros baixos e câmbio alto - CLAUDIA SAFATLE


Valor Econômico - 11/05/12


Um economista em viagem pelo interior do país queria conhecer a estratégia de municípios muito pobres para prover educação sob condições adversas. Numa pequena cidade, marcou encontro com a secretária de Educação. Em meio à conversa, perguntou-lhe qual era a média de filhos por família ali. A secretária respondeu: "Olha, depende do casal. Tem família com média de três filhos, tem família com média de cinco e tem família até com média de nove filhos nessa cidade."

A história acima é contada pelo também economista Marcio Gold Firmo, amigo do personagem citado, no trabalho intitulado "Educação: de fusquinha no mundo da F-1". O texto de Firmo é um dos 11 capítulos do livro "Além da Euforia", que será lançado no dia 15 pela editora Campus-Elsevier, de autoria de dois outros conhecidos economistas, Armando Castelar e Fábio Giambiagi.

Nos últimos 30 anos o Brasil teve avanços notáveis. Tornou-se uma democracia madura, estabilizou a economia, colocou ordem nas contas públicas, distribuiu melhor a renda e ficou exposto à concorrência externa com todos os benefícios que isso traz para a produção e para o consumo. Os autores reconhecem os imensos progressos, mas alertam para o fato de que a tarefa de colocar o país na rota do crescimento sustentável está longe de acabar e a "euforia" do momento, quando o país apresenta bons indicadores macroeconômicos e o mundo vê melhor o Brasil, não deve mascarar os desequilíbrios que permanecem.

Eles esmiúçam os problemas, atrasos e gargalos que se acumulam e que, às vezes, são obscurecidos pelo bom desempenho do emprego, da renda e de demais dados econômicos. A defasagem na educação, com as falhas em todos os atores da engrenagem - secretários de Educação, diretores das escolas, professores - é o caso mais dramático, mas há vários outros que também impõem limites ao desenvolvimento.

Os escassos investimentos públicos em infraestrutura, os gastos ainda crescentes em custeio, a baixa taxa de poupança interna, o lento crescimento da produtividade, a desatenção com as oportunidades dadas pelo "bônus demográfico" são alguns deles. E é notória a enorme dificuldade de se reverter esse quadro. Basta ver o esforço do governo federal para aumentar o investimento público e trazer junto o investimento privado.

Por todas as formas de medição da qualidade da educação pública no Brasil o resultado é ruim. O país avançou nas quantidades, pôs as crianças na escola, aumentou os investimentos no setor de 2,4% do PIB em 1980 para 5% do PIB atualmente e criou bons sistemas de avaliação. Mas a qualidade segue sofrível.

Embora o debate político ainda se concentre em aumentar os recursos para a educação, esse não é mais o cerne do problema, sustenta Firmo. Como proporção do PIB o Brasil gasta hoje o mesmo que a média dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e mais do que gastam o Canadá, a Austrália, o Japão, a Coreia do Sul, os Estados Unidos e vários outros países.

Considerando que a população em idade escolar (6 a 18 anos) decrescerá em cerca de 20% nas duas próximas décadas, mantido o padrão de financiamento atual o problema da educação não é nem será falta de dinheiro. Mas falta capacidade de transformar as verbas públicas em aprendizado para os alunos. O epíteto adequado para a despesa pública no Brasil seria: "Gasta-se muito, mas gasta-se mal."

Num momento em que as fábricas digitais, as impressoras 3D, a nanotecnologia, marcam a terceira revolução industrial, a defasagem do país na área da educação pode pôr a perder a chance de o Brasil ser competitivo no mundo. Os dados sobre o lento crescimento da produtividade evidenciam essa dificuldade. Desde a crise global de 2008/2009, a produtividade no país cresce pouco, menos de 1% ao ano. As fontes que nos anos anteriores impulsionaram a produtividade estão se esgotando sem que se tenha obtido novos ganhos tecnológicos.

A infraestrutura é deficiente e cara. Embora o país tenha uma das maiores redes de estradas do mundo, apenas 13% dos 1,6 milhão de quilômetros são pavimentados e a qualidade dessa pavimentação é ruim. O congestionamento nos portos eleva os custos. O volume de contêineres movimentados só nos terminais de Santos aumentou 215% na primeira década deste século, mas o comprimento do cais teve apenas 6% de expansão. "Na infraestrutura, a fotografia é melhor do que o filme", assinalam os autores, para quem "a situação está piorando".

Estimativas do BNDES para o período 2011-2014 são de que o investimento no setor deverá permanecer na casa dos 2,33% do PIB, dos quais 0,18% são relativos ao trem de alta velocidade. Praticamente a mesma média de 2,23% do PIB registrada entre os anos 2001-2010.

Tradicionalmente, o Brasil é um país que poupa pouco. Nos bons períodos, a taxa de poupança chegou a 20% do PIB. Não está claro para os economistas se a poupança determina o crescimento ou se a relação de causalidade é inversa. O certo é que existe uma associação entre ambas. O acesso barato à poupança externa tem driblado as restrições geradas pela escassa poupança doméstica, mas ele não é permanente. A alternativa seria o Estado poupar mais e, ainda, aproveitar o "bônus demográfico" - em que a população ativa cresce mais rapidamente que a população total - para se preparar para os tempos mais difíceis do futuro, quando o país terá que sustentar um contingente maior de idosos.

Até 2050 a população de 60 anos ou mais vai se multiplicar por cerca de 3,5 vezes e a de 80 anos ou mais, por cinco vezes. Não está claro como será custeada a velhice. Os prognósticos indicam que a população economicamente ativa (PEA), em 2050, será a mesma de 2010.

Até agora o crescimento econômico foi sustentando pela forte expansão do consumo, movida a crédito, o que não é garantia de que o país está mais próspero. Os investimentos patinam e a queda dos juros e a desvalorização da taxa de câmbio são necessários, mas insuficientes para sustentar o crescimento.

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