terça-feira, maio 29, 2012
Longe dos bicheiros - LUIZ GARCIA
O GLOBO - 29/05
Em tempos antigos, jornalista sem assunto sempre tinha o recurso de baixar o porrete no bei de Túnis. Tratava-se do governador turco na Tunísia ocupada - e, ao que parece, os beis eram invariavelmente tão cruéis quanto incompetentes. Além disso, os turcos não davam a menor bola para a opinião da imprensa ocidental. Logo, o porrete comia solto na imprensa europeia, sem qualquer risco para os porreteiros de plantão.
No Brasil de hoje, a interminável novela do mensalão do PT é o bei que temos à nossa disposição. Com a agradável diferença, pelo menos para quem escreve e para quase todos os leitores, de que Lula e seus companheiros não acham a menor graça no assunto.
Uma prova disso estaria numa reportagem da "Veja" desta semana: segundo a revista, o próprio Lula teria procurado ministros do Supremo Tribunal Federal com uma oferta marota: em troca de um adiamento do julgamento do mensalão - para depois das eleições de outubro, pelo menos - ele protegeria o ministro Gilmar Mendes de boatos sobre mordomias que teria recebido do bicheiro Carlinhos Cachoeira numa viagem a Berlim.
Gilmar confirmou ter encontrado o bicheiro na Alemanha, mas acrescentou ter dispensado, com a necessária indignação, a necessidade de qualquer proteção petista para a história das mordomias.
De tudo isso, o que sobra para ser esclarecido é a possível gafe de Lula. Não há dúvida de que ele conversou com o ministro do STF. E é óbvio que o PT tem razões de sobra para desejar uma decisão favorável - ou, pelo menos, pouco dolorosa - dos ministros sobre o desagradável (se é aceitável este eufemismo) episódio do mensalão.
Mas entre desejar uma camaradagem do tribunal e partir para a grossura - não há termo mais suave - da proposta de uma troca de favores vai distância considerável. E não é fácil desmentir o oferecimento - a não ser por quem se disponha a chamar um ministro do Supremo de mentiroso.
Seja qual for o desfecho desse triste episódio, dele fica uma lição importante: ministros do STF não precisam evitar viagens à Alemanha. Mas é prudente que evitem contatos com bicheiros. Em qualquer país ou continente.
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