quarta-feira, maio 16, 2012
Juros mais baixos irão destravar o crescimento? - ZEINA LATIF e MARCELO GAZZANO
VALOR ECONÔMICO -SP - 16/05/12
Há uma ampla expectativa de recuperação mais expressiva da economia no segundo semestre deste ano ou talvez antes disso, com a retomada da produção industrial, que praticamente estagnou no início de 2010. Nossas expectativas são mais modestas, principalmente no que se refere ao cenário para a indústria e, consequentemente, para o investimento, já que são variáveis altamente correlacionadas. Nossa avaliação não se baseia nos conhecidos entraves estruturais ao crescimento, pois trata-se de uma análise para o curto e médio prazo; o foco são as decisões recentes de política econômica.
Alguns fatores podem, de fato, melhorar o desempenho da economia nos próximos meses. Um possível canal seria via confiança do empresário, que ensaia uma recuperação após a sensível piora no segundo semestre do ano passado, devido ao agravamento da crise internacional e também ao acúmulo de estoques. Naquele momento, o conservadorismo do empresário se refletiu no enfraquecimento da produção, bem como em menor investimento e algumas demissões na indústria. É, portanto, bem-vinda a melhora recente da confiança, lembrando que o impacto na produção industrial tende a ocorrer com defasagem em torno de seis meses.
No entanto, ainda que este seja um canal relevante, talvez não tenha fôlego suficiente para gerar per se um impulso duradouro na economia. Afinal, a confiança do empresário é em boa medida uma variável endógena, ou seja, que se retroalimenta do próprio desempenho da economia.
É crucial a clareza nos diagnósticos para que a ação do governo não seja equivocada para reverter a estagnação
Temos então que investigar outros motores de crescimento, que por sua vez acabem por impulsionar a própria confiança do empresário. Apesar do câmbio menos fortalecido, a demanda externa provavelmente pouco ajudará, estando o volume do comércio mundial apenas 5% acima do patamar pré-crise de 2008. Assim sendo, o candidato natural seria a política econômica via impulso fiscal, creditício e monetário promovido pelo governo. No entanto, vemos sérios limites nessa estratégia.
Ao estimular o consumo, a política econômica pode se mostrar contraproducente, lembrando que, infelizmente, a demanda não cria sua própria oferta. Acreditamos que o problema da indústria, mesmo numa análise de curto e médio prazo, é de baixa competitividade, e não de fraqueza de demanda. Isso fica claro quando se observa o aumento expressivo do custo unitário do trabalho nos últimos anos vis-à-vis o hiato entre produção e vendas do varejo sendo fechado por importações crescentes. Estimular o consumo em um contexto de mercado de trabalho aquecido e de elevado ganho do salário mínimo tende a pressionar adicionalmente o custo da mão de obra. Além disso, gera-se uma maior resistência da inflação, o que aumenta a valorização real do câmbio em termos efetivos. Acaba-se por agravar um importante fator que já vêm corroendo a produtividade da indústria: a relação salário e câmbio.
E quanto ao estímulo ao investimento contido nas políticas governamentais, principalmente via crédito de bancos públicos? Os dados sugerem que esse caminho não seria suficiente para gerar um ciclo de investimentos. O consumo aparente de bens de capital está praticamente estagnado desde o início de 2010, sendo que a produção de bens de capital registrou em março queda de 1,5% na média dos últimos 12 meses, apesar do elevado crédito do BNDES. Na construção civil, que conta com a ajuda do Minha Casa Minha Vida, o quadro não chega a ser alentador, pois a produção de insumos cresceu modestos 3,6%. Esse quadro indica limites da ação do governo para estimular o investimento privado.
Restaria então investigar o papel da política monetária, considerando que seu efeito demora pelo menos dois trimestres para se materializar sobre a demanda agregada e, assim, sobre a produção industrial. Para isso, utilizamos dois modelos estatísticos: um para estimar a produção industrial (ou a "forma reduzida" da função produção industrial, no jargão dos economistas) e outro para estimar o investimento. Ambos os modelos indicaram que, nos últimos anos, houve uma queda do poder da taxa real de juros para influenciar a indústria e o investimento. Isso significa que o efeito do relaxamento monetário em curso poderá ser inferior ao esperado.
Ainda que, provavelmente, boa parte desse resultado dos modelos possa decorrer da própria redução da taxa real de juros neutra (aquela que permite o país crescer sem causar aceleração da inflação), isso não significa espaço ainda maior para corte da Selic, pelo risco de termos maior pressão sobre salários e rigidez inflacionária corroendo a competitividade do país. Em outras palavras, a redução da Selic seria muito mais eficaz para estimular o consumo do que a produção.
Alguns analistas alegam haver um canal alternativo de transmissão da política monetária sobre a atividade econômica, tal que com juros mais baixos, a produção seria destravada, devido à redução de seu custo de oportunidade, estimulando assim ainda mais o investimento. Mesmo assumindo a existência desse canal, nossa conclusão não se altera, pois, em princípio esse canal teria sido capturado pelos modelos econométricos.
A conclusão final é que os cortes da taxa de juros tendem a ter baixa eficácia para estimular a economia como um todo, por conta do atual contexto de pressão de custos da mão de obra agravado pelas políticas de estímulo ao consumo, e de ausência de medidas e reformas que recuperem de fato a confiança do empresário. Com os canais de crescimento obstruídos, o poder da política monetária tende a ser limitado.
A possível decepção com o ritmo de crescimento, diante da fraqueza da indústria e do baixo dinamismo do investimento, poderá se traduzir em um gatilho para mais políticas governamentais. Assim sendo, é crucial a clareza nos diagnósticos para que a ação do governo não seja inefetiva ou, pior, equivocada, sobrecarregando os ombros do Banco Central.
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