segunda-feira, maio 14, 2012
Freada de arrumação - MARCELO DE PAIVA ABREU
O ESTADO DE S. PAULO - 14/05
As relações entre Brasil e Argentina estão requerendo, com urgência, uma freada de arrumação. Países não podem mudar de endereço e escolher novos vizinhos. Amenos que haja cataclismos políticos - como a dissolução da União Soviética, no início da década de 1990, ou dos decadentes impérios austro-húngaro e otomano, após a 1.ª Guerra Mundial-,a maior parte das vizinhanças entre países tende a ser estável. Algumas fronteiras são "quentes", refletindo rivalidades políticas, religiosas e culturais profundas. Talvez o exemplo mais dramático de fronteiras hostis seja o da Polônia, entre 1919 e 1991, espremida entre a Alemanha e a União Soviética, inimigos seculares. Mas a história mostra que, mesmo no caso de fricções extremas entre países limítrofes, sempre há a possibilidade de solução negociada que esfrie as tensões. Não se deve esquecer em tempos em que os problemas econômicos da integração europeia ocupam o centro das atenções, de que a sua origem foi alicerçada na reconciliação entre França e Alemanha, depois de mais de três séculos de enfrentamento.
A América Latina tem, de longe, o melhor retrospecto mundial quanto à estabilidade de fronteiras. Desde o fim do século 19, só a Guerra do Chaco, na década de1930,e a Guerra das Falklands/ Malvinas perturbaram de forma relevante a paz na região.O Brasil tem ótimo retrospecto em relação à estabilidade de fronteiras. Depois das guerras cisplatinas, só as intervenções no Prata, que culminaram na Guerra do Paraguai, e os entrever os no Acre deixaram de ser contornados pela diplomacia brasileira.
A despeito de as estratégias da Argentina e do Brasil terem sido, por longo tempo,calcadas na possibilidade de conflito entre os dois países, nos anos 80 isso mudou. A aproximação política entre os dois foi uma grande conquista que criou condições favoráveis para as negociações que levaram à criação do Mercosul.
Já o retrospecto do próprio Mercosul,a partir de meados dos anos 90,é melancólico.Sofreu as consequências dos solavancos cambiais nos dois países e preservou grande número de medidas discricionárias que afetam o comércio intra-Mercosul e a Tarifa Externa Comum. Tem sido, essencialmente, uma história de remendos sucessivos.
À acumulação de déficits comerciais brasileiros entre 1995 e 2003 sucederam-se expressivos saldos positivos, como o de quase US$ 6 bilhões em 2011.Resultado desconcertante, dadas as dificuldades competitivas do Brasil, com o real relativamente apreciado. Análise perfunctória das estatísticas argentinas indica que parte significativa do problema decorre da falta de competitividade dos produtos industriais argentinos. De fato,desde 2003,quando o comércio bilateral era equilibrado, até 2010, as importações totais argentinas cresceram mais do que as importações argentinas provenientes do Brasil. Mas, em qualquer caso, é bom ter em conta que integração econômica não pressupõe equilíbrio na balança comercial entre parceiros.
Neste quadro não há justificativa razoável para que o governo argentino,no bojo de uma ofensiva protecionista que vem merecendo censura de grande número de países, adote medidas que tenham como objetivo eliminar o déficit comercial com o Brasil. Os benefícios políticos da relação próxima entre Brasília e Buenos Aires não devem ser postos à prova pela escalada do protecionismo argentino nem por desdobramentos de decisões precipitadas quanto a investimentos estrangeiros na Argentina, como no caso da YPF.
As reações de autoridades brasileiras às iniciativas argentinas violam qualquer suposição razoável sobre racionalidade na defesa dos interesses nacionais brasileiros. É notável a complacência tanto no caso da YPF- com a Petrobrás em posição exposta - quanto no do protecionismo. O banzo em relação à vertente do varguismo com afinidades peronistas é perceptível. A recente menção da presidente Dilma, na posse do ministro Brizola Neto,à sua juventude, fazendo paralelo com João Goulart, quando tomou posse na mesma pasta em 1953, é correta. Já a ênfase na "visão" e no "grande peso político" de Goulart não tem respaldo na história.É curioso que um governo que tem Lula como ícone - autêntico líder sindical - busque amparo em tais reminiscências dos indicalismo oficial.O reajuste do salário mínimo de 100%, proposto por Goular tem 1954,levou à sua demissão e, relutantemente endossado por Vargas, foi elemento importante na crise política que levaria o presidente ao suicídio.
Por muito tempo as comparações entre Argentina e Brasil sublinharam a maior população brasileira e a maior renda percapita
argentina. É verdade que, em 1928, a renda per capita argentina era cerca de quatro vezes a brasileira. Ainda em 2000, era o dobro. Esse quadro mudou: em 2010 já era menor do que a brasileira (Atlas, Banco Mundial).Hoje,a economia brasileira é cerca de cinco vezes a economia argentina. Fica cada vez mais difícil aceitar que o rabo abane o cachorro.
As duas maiores economias do Mercosul devem se sentar à mesa e criar as condições para que o balanço de benefícios e custos do Mercosul continue a ser significativamente favorável aos dois países.
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