segunda-feira, maio 07, 2012

Errei. Perdão! - RICARDO NOBLAT


O GLOBO - 07/05/12


É no que dá ser generoso com Sérgio Cabral, Fernando Cavendish, dono da Delta, e o "bando dos homens de guardanapo". Escrevi aqui que só farrearam juntos em Paris há três anos porque não existia o Código de Ética que desde 2011 rege a conduta de Cabral e dos demais servidores públicos do Rio. Acertei no acessório, errei feio no principal.

O acessório: de fato, até 2009 não havia código que orientasse Cabral a governar preservando a ética. E sem um código ficava muito difícil para ele ter certeza se a ética corria perigo ou não. Cabral é simpático, porém simplório.

Só no ano passado sentiu a necessidade de um código.

Para ser exato: depois de 17 de junho do ano passado.

Naquele dia, Cabral voou a Porto Seguro, na Bahia, em jatinho do empresário Eike Batista. Foi comemorar o aniversário de Fernando Cavendish, dono da empreiteira Delta e de quase R$ 1,5 bilhão em contratos com o governo do Rio. À noite, um helicóptero caiu ao transportar sete convidados do aniversariante.

Todos morreram.

Cavendish perdeu a mulher, Jordana, e o filho de 3 anos do primeiro casamento dela.

Cabral perdeu a amiga Fernanda Kfuri, acompanhada do filho e de uma babá.

Marco Antônio, filho de Cabral, perdeu Mariana Noleto, sua namorada. Quem pilotava o helicóptero era Marcelo Mattoso de Almeida, ex-doleiro. Na ocasião, chovia forte.

Primeiro a assessoria de Cabral informou que ele não estava em Porto Seguro quando o helicóptero caiu.

Estava. Depois informou que ele viajara às pressas para lá ao saber do acidente.

Negou, contudo, que Cabral tivesse viajado em jato de Eike - viajou. E negou que tivesse retornado ao Rio em jato de Eike. O retorno ainda é um mistério.

Criticado por ter comparecido ao aniversário de um fornecedor do estado em jato cedido por outro fornecedor, Cabral disse: Sempre procurei separar minha vida privada da minha vida pública. Apesar disso, prometeu mudar de comportamento. E anunciou a criação de um código de ética ao qual se submeteriam todos os servidores do estado.

O decreto com o Código de Conduta da Administração, que limita as relações entre agentes públicos e privados , só foi publicado no Diário Oficial no dia 5 de julho passado.

Na véspera, Cabral fora atingido por mais uma denúncia: no dia 2 de dezembro de 2010, viajara em jato de Eike para as Bahamas, onde encontrou Cavendish.

Além do código, o decreto criou duas comissões de ética: uma formada por membros do governo para fiscalizar o procedimento dos funcionários do primeiro escalão; a outra, por gente de fora para dirimir eventuais dúvidas quanto ao código e garantir sua aplicação aos funcionários dos demais escalões.

Segundo o código, empregados do estado são proibidos de receber presente, transporte, hospedagem, compensação ou quaisquer favores, assim como aceitar convites para almoços, jantares, festas e outros eventos sociais quer seja obrigatório ou não o uso de guardanapos na cabeça.

E, agora, o principal, onde errei. Dez meses depois da publicação do decreto que criou o código e as duas comissões de ética, supus (jornalista deveria ser proibido de supor) que o código estivesse em vigor, e as comissões, funcionando. Nem o código nem as comissões saíram do papel. Como em 2009, Cabral segue livre podendo ignorar a ética.

Peço desculpas por tê-los enganado acreditando no que disseram Cabral e seu bando. Cabe a vocês cobrarem respostas de Cabral para dezenas de perguntas que teimam em não calar. É espantoso que, podendo liquidar o assunto de uma vez por todas, ele prefira alimentá-lo com o seu silêncio.

Por que Cabral não exibe a relação completa das viagens oficiais e particulares que fez a estados e ao exterior desde que assumiu o governo? Com data, destino, meio de transporte, duração e a identidade da fonte pagadora das despesas? Por que não revela quantas vezes voou com Cavendish? Seria tão simples.

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