sábado, maio 19, 2012

Até quando vai o silêncio? - LEONARDO CAVALCANTI


CORREIO BRAZILIENSE - 19/05



SENADOR Y: Tá aprovado. E agora?

SENADOR X: Calma. Não acabou. A Câmara vai derrubar.

Não, o diálogo acima não faz parte dos grampos das operações Monte Carlo e Vegas, que desmontaram o grupo do bicheiro Carlos Cachoeira. Trata-se na verdade de conversa travada há uma semana, na quarta, dia 9, logo depois da aprovação do projeto que prevê o fim dos 14º e 15º salários. Os interlocutores são parlamentares. O privilégio tinha sido abatido naquela noite por unanimidade.

O diálogo dos dois políticos foi quase um cochicho, não captado, evidentemente, pelos microfones do plenário do Senado. Mas foi ouvido por um terceiro personagem, que, para não ficar com fama de caguete entre os pares, preferiu manter o próprio anonimato e o dos interlocutores. O importante nesse caso: a conversa revela mais sobre os políticos do que a própria aprovação dos salários extras.

O diálogo mostra dois aspectos da difícil tramitação do projeto contra a mordomia dos políticos. Primeiro, o constrangimento de parte dos senadores em aprovar o texto de autoria da hoje ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann. Depois, a torcida dos sujeitos em ver o projeto vetado na Câmara. Os deputados os salvariam. E todos continuariam com o seu dinheiro, meu caro leitor, no bolso.

Os movimentos iniciais da tramitação do texto na Câmara mostram que a fé inglória dos dois nobres senadores do diálogo não é tão descabida. É que o projeto apenas chegou na Câmara nove dias depois de aprovado no Senado. De forma geral, o prazo médio é de 72 horas - ou seja, três dias. Mesmo descontados o sábado e o domingo, os deputados perderam quatro dias na aprovação.

Tal coisa parece não ter ocorrido por acaso. É só ver a disponibilidade do líder do PT na Câmara, Jilmar Tatto, e do presidente da Casa, Marco Maia. Até agora, nenhuma declaração sobre o absurdo das remunerações extras saiu da boca dos dois nobres deputados. Ao contrário. Maia, por exemplo, fez questão de se desvencilhar da reportagem do Correio ao longo da semana. É o mundo da política real.

Mas nesse caso, o silêncio é pouco recomendável - principalmente porque vários senadores conseguiram sair bem na foto ao discursar contra o privilégio quando o texto ainda tramitava naquela Casa. Mesmo aqueles que votaram a favor e reclamaram apenas em conversas privadas. E aí tem outro problema para quem não quer perder o benefício: a onda contra o privilégio.

#AbaixoAMordomia

Desde a tramitação do projeto no Senado, reportagens contra o benefício feitas por este Correio trouxeram o debate para os eleitores, o que constrangeu políticos. Ali, naquela Casa, o projeto demorou um ano e três meses para ser aprovado. Ficou engavetado na Comissão de Assuntos Econômicos até que as reportagens denunciaram que os senadores não descontavam o Imposto de Renda dos salários extras.

Ao chegar à Câmara nesta semana, o projeto foi saudado por parlamentares que haviam aberto mão do benefício antes da tramitação, como Reguffe (PDT-DF), o primeiro a tomar tal decisão, ainda no início do mandato, em 2011. A partir daí, vieram outras desistências. Até a noite de ontem, eram 16. O número tende a aumentar. E aí os camaradas apegados ao privilégio têm mais uma dificuldade.

Como esse parlamentar pode justificar ao eleitor - que ganha no máximo 13 salários - a desistência de alguns dos colegas de Congresso e a manutenção do privilégio absurdo no próprio bolso? Pior. Com a campanha na internet #AbaixoAMordomia, fica cada vez mais difícil abafar ou rejeitar o texto. E, assim, a previsão do senador no início desta coluna, apesar da torcida e de alguns sinais emitidos pela cúpula do Congresso, pode não se confirmar. O cidadão vai ganhar uma. Será melhor assim.

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