terça-feira, maio 29, 2012
Abraço de urso - JOSÉ PAULO KUPFER
O Estado de S.Paulo - 29/05
A crise econômica global, que evolui sem solução há quase cinco anos, já passou por um pico de turbulências logo após a quebra do banco Lehman Brothers, em 2008. Mas quem achou que aquele foi o momento mais agudo de instabilidades e retração nos investimentos deve se preparar para novas e preocupantes surpresas. O quadro que se desenha no horizonte da economia global tem potencial para ser ainda mais sombrio do que o de 2008-2009.
Parece estar em curso uma desaceleração sincronizada muito mais abrangente do que a verificada na primeira onda da crise. Naquela ocasião, depois do colapso bancário nos Estados Unidos, seguiu-se a desestabilização dos bancos europeus. E, na sequência, a explosão dos déficits e das dívidas soberanas na Europa. As economias emergentes, porém, depois de um soluço, remaram na direção contrária.
Puxados pela China - e sua então inabalada demanda por commodities -, os emergentes acumularam saldos comerciais e reservas cambiais, sustentando retomadas fortes de consumo doméstico, sem pressões sobre os índices de inflação. O "milagre" se deu com o aumento das importações e a atração de capitais externos, sob a ação de dois santos: a valorização cambial e juros acima dos níveis a que foram empurradas as taxas nos países de economia madura.
São cada vez mais nítidos, contudo, os sinais de que esse arranjo se aproxima do limite. Com picos isolados e motivados por causas conjunturais específicas - caso do petróleo -, os mercados de commodities ingressaram numa trajetória deflacionária, levantando dúvidas sobre a capacidade de as economias emergentes sustentarem as taxas de crescimento anteriormente exibidas, sem desequilíbrios excessivos.
A Europa está no epicentro da crise, mas olhares temerosos também se voltam para a China e mesmo para os Estados Unidos. Logo o teto da dívida pública americana terá de ser renovado e estão vencendo várias isenções de tributos, que foram usadas para impulsionar a economia, podendo-se imaginar a conturbação que isso tende a produzir em ano de eleição presidencial polarizada.
Com relação à China, as análises são crescentemente céticas quanto à capacidade de seus dirigentes administrarem a transição de um modelo exportador para um outro, voltado para o mercado doméstico, sem impactos negativos sobre o desempenho da economia. O fato é que, da mesma forma que uma quebra da unidade da moeda na zona do euro deixou de ser impensável - para a Grécia, na verdade, já é a hipótese preferida -, a possibilidade de uma freada mais acentuada da economia chinesa passou a frequentar, desembaraçadamente, os cenários prospectivos.
Especialistas do calibre de Kenneth Rogoff, professor em Harvard e ex-FMI, profetizam, para os próximos anos, momentos em que o PIB chinês crescerá menos de 5% e apostam numa tendência de expansão da economia chinesa, daqui a cinco ou seis anos, mais para 6% do que para os 9% ou 10% de anos passados. Indicadores de expansão econômica cada vez mais limitada também são encontrados nas análises sobre Brasil, Índia, África do Sul e em outros emergentes.
É inevitável que as perspectivas de concretização desse abraço de urso em escala global conduzam a uma etapa de profunda aversão ao risco, baixo investimento e desemprego, dos quais poucas economias escaparão. Como é possível observar, esse quadro já se reflete nos pregões das bolsas mundo afora.
Embora os juros estejam em níveis baixíssimos, a retração dos investidores é algo comprovável pelo recuo dos índices que medem o desempenho integrado dos mercados acionários em um amplo rol de países. Eles já caíram 10% de março para cá e encolheram mais de 15%, na comparação com maio de 2011.
A redução das taxas de juros, em paralelo com o aumento das incertezas na economia real, tem se refletido nos resultados pífios contabilizados pelos fundos privados globais, o que, por sua vez, determina a decisão de evitar o carregamento de posições alavancadas. Muitas vezes, essa combinação adversa se traduz, simplesmente, por uma absoluta preferência pela liquidez. Calcula-se que um montante entre US$ 2 trilhões e US$ 3 trilhões, só nos Estados Unidos, está sendo mantido em caixa, à espera de melhores oportunidades de aplicação. E, além do dólar e de bônus alemães, já se nota aumento da procura por francos suíços.
Se a história dos episódios de criação e estouro de bolhas financeiras, nas últimas oito décadas, pode ser replicada para a crise atual, a economia global está entrando na fase em que os ativos devolvem o que alavancaram e, concomitantemente, as economias se retraem. Nos eventos históricos anteriores, esse período durou de três a cinco anos.
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