segunda-feira, abril 30, 2012

Spread bancário - diagnóstico e remédio - JOÃO MANOEL PINHO DE MELLO e VINÍCIUS CARRASCO

O Estado de S.Paulo - 30/04/12


Em 2005, o preço dos vergalhões (um tipo de aço longo), insumos insubstituíveis na construção civil, atinge o mais alto patamar dos dez anos anteriores. O preço doméstico chega ao dobro do praticado no mercado externo, apesar de um dos principais insumos - o minério de ferro - ser relativamente abundante no Brasil. Uma comissão do Inmetro, recheada de representantes da indústria, havia estabelecido padrões de qualidade para aços longos a serem utilizados no Brasil acima dos padrões que vigoravam nos EUA e na Europa, tornado a importação de vergalhão virtualmente impossível. Naquele ano, o Conselho Administrativo de Direito Econômico (Cade) condenaria as três maiores empresas produtoras de vergalhões do Brasil por formação de cartel.

Mesmo sendo um insumo indispensável para a economia (quem pode minimizar o problema do déficit habitacional?), o governo não tentou forçar os produtores a reduzir seus preços, a despeito de haver certeza de que eles estabeleciam preços de maneira coordenada. Isso é correto. No caso de conluio, cabe às autoridades antitruste comprová-lo e impor as sanções cabíveis. Da mesma maneira, portanto, mesmo que o diagnóstico seja de que os bancos brasileiros estão hoje cartelizados, usar bancos públicos para forçar a queda de preços é uma atitude equivocada.

No caso dos bancos, no entanto, esse diagnóstico está no mínimo precipitado. Não há evidência sólida de que o setor bancário brasileiro seja cartelizado. Pesquisas acadêmicas demonstram que esse setor se comporta de forma competitiva, apesar de estar longe da concorrência perfeita (Nakane, M. A Test of Competition in Brazilian Banking, Estudos Econômicos, 2002). Os spreads podem ser altos porque os bancos estão em concorrência oligopolística, o que não significa que não estejam competindo. Significa tão somente que há poucos bancos. Nesse caso, a solução não é forçar preço para baixo na marra, mas impedir fusões entre bancos grandes e tomar medidas para diminuir o custo de entrada.

Os bancos brasileiros não têm retornos sobre ativos especialmente altos em relação aos pares internacionais (Belaisch, A. Do Brazilian Banks Compete? IMF Working Paper 3/13, 2003), algo difícil de ocorrer sob cartelização.

Por fim, o tamanho do mercado de crédito é compatível com a qualidade das instituições no Brasil, ou seja, com a intensidade da (in)segurança jurídica no País (De Mello, J. e Garcia, M. Bye-bye Financial Repression, Hello Financial Deepening: the Anatomy of a Financial Boom, a sair em Quarterly Review of Economics and Finance). Se fosse cartel, o mercado de crédito no Brasil seria menor do que em outros países, depois de consideradas as diferenças em qualidade institucional entre eles. De fato, o segmento em que o Brasil mais destoa é o do crédito hipotecário, que sofre pela história de instabilidade macroeconômica, as renegociações forçadas de dívidas e a insegurança. É só lembrar a dificuldade de despejar um mutuário inadimplente do único imóvel onde vive. De fato, os bancos privados pouco se interessam pelo segmento pelas razões expostas. Regra: ninguém carteliza um mercado que acha desinteressante.

Os spreads refletem o tipo de produto oferecido, aspectos institucionais brasileiros, custos e estrutura de mercado (talvez concentrada, neste caso). Crédito é um produto peculiar. Problemas informacionais aumentam o seu custo. Exemplos desses problemas são a falta de capacidade e vontade de repagar por parte do tomador. Ao aumentar a agressividade na concessão (abaixando juros), um banco pode acabar emprestando para tomadores mais arriscados, o que diminui sua vontade de abaixar juros sem que isso constitua cartel. Logo, os juros podem ser altos por razões bem mais complexas do que em mercados como vergalhões.

Avanços como o crédito consignado e a lei da alienação fiduciária tiveram papel fundamental em permitir a expansão do crédito e a redução de juros. O fato de os juros do crédito pessoal (automóveis) terem caído com a consignação (alienação fiduciária) mostra que boa parte do spread se deve às fricções no mercado de crédito (como ausência de colateral ou insegurança jurídica na sua execução). Esse tipo de política é a única forma de redução sustentável dos spreads.

Forçar a queda a fórceps pode ter algum efeito no curto prazo, provavelmente advindo de pressão política. Seus efeitos no longo prazo serão irrelevantes, na melhor das hipóteses, e deletérios, na pior.

Do cenário do primeiro parágrafo, avancemos sete anos. Um celebrado empresário do setor de aços longos dá a seguinte declaração à Folha de S.Paulo (19/4/2012): "A presidenta (sic) tem um posicionamento correto. A tendência do juro do Brasil tem de ir numa caminhada ao encontro dos juros mundiais. O debate vai nos levar a ter um patamar de juro competitivo no mundo". Ele está equivocado. Duas vezes. Ao trocar "juros" por "preços de vergalhões", teremos uma piada pronta.

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