O GLOBO - 19/04/12
Nos bancos acadêmicos, mais precisamente no 2, ano da Faculdade de Direito, quando o aluno debuta em Direito Penal, o ensino da prescrição cria dúvidas e questionamentos, provavelmente porque a escolha pela área de humanas tenha gerado a percepção enganosa de que números e cálculos não mais habitariam o seu universo pós-vestibular. Uma vez, entretanto, explicadas as premissas, diagnosticar quando o Estado perdeu ou está em vias de perder, pelo passar do tempo, o direito de punir aquele a quem imputou o cometimento de crime torna-se tarefa cotidiana no exercício profissional.
Não se desconhece que o processo do Mensalão, assim denominado o pretenso esquema de compra de votos de parlamentares, está submetido, na leitura que fez Antônio Evaristo de Moraes Filho, à ocasião em que defendeu e absolveu Fernando Collor, perante o Supremo Tribunal Federal, ao “duplo debate”: o político e o jurídico. Porém, as recorrentes e incorretas manifestações públicas — vindas de curiosos e, pasmem, de expoentes, com notório saber — de que as penas dos delitos veiculados na denúncia prescreverão, se não julgados ainda neste primeiro semestre, merecem reflexão para identificar sua origem.
De acordo com o relatório disponibilizado em dezembro passado pelo ministro Joaquim Barbosa — como norte temporal, para avaliar a incidência da prescrição —, tem-se que os supostos fatos ilícitos cessaram em 2005, e a denúncia foi recebida pela Suprema Corte em agosto de 2007, sendo este o primeiro marco interruptivo da prescrição. De 2007 até hoje, transcorreram quase 5 anos.
A título ilustrativo, tomemos, como parâmetro, a alegada prática de integrar quadrilha e de corruptor, atribuída aos1, e 2, denunciados, José Dirceu e José Genoíno. A pena para quadrilha transita entre 1 e 3 anos, além de multa. Logo, somente em setembro de 2015 incidiria a prescrição da pena máxima. Em relação às penas mínima (1 ano) e média (2 anos), se vierem a ser dosadas na futura sentença — que pode ser absolutória, não esqueçamos —, já estariam prescritas, porque, em setembro de 2011, quando ainda em curso a instrução, completaram 4 anos desde o recebimento da denúncia. Fato consumado.
Sobre a corrupção ativa, cuja reprimenda fica entre 2 e 12 anos, e pena pecuniária, somente em 2023 ocorreria a prescrição da pena, caso não julgado o Mensalão. E essa hipótese é impensável.
Isso significa que julgar no primeiro semestre corrente, no subsequente ou no ano vindouro não alterará em nada, absolutamente em nada, o processo do Mensalão sob a ótica da prescrição.
A origem do alarme falso da prescrição reside na tentativa de se colocar no córner a Suprema Corte, impulsionando um “justiçamento”, e não um julgamento imparcial, à luz da prova e do direito. Tanto que, em toda exortação, só se alardeia condenação e pena — daí o tema prescrição vir à superfície —, nunca o insucesso da acusação.
Em “maxiprocessos”, na expressão do jurista argentino Eugenio Raul Zaffaroni, os quais envolvem muitos réus e questões complexas, o exame das alegações defensivas demanda tempo, e circunspeção, a fim de que se possa entregar justa e legítima prestação jurisdicional.
A opinião pública — ou publicada —, que já processou, sentenciou e condenou os réus do Mensalão, preferiria, seguramente, o julgamento sumário, à forma como se procedia em época remota, por exemplo, nos Estados Unidos da América, como lembrou o velho Evaristo de Moraes, em “Reminiscências de um Rábula Criminalista”.
Felizmente, os tempos são outros. Como sempre adverte o ministro Marco Aurélio, “em um Estado Democrático, em um Estado de Direito, hão de ser respeitados princípios, hão de ser observadas balizas. Eis o preço que se paga — e é módico, estando ao alcance de todos — por nele se viver”, complementando: “Avança-se no aprimoramento da vida em sociedade respeitando-se o arcabouço normativo regedor da espécie.”
Embora compreensível a grita, a essência contramajoritária dos tribunais constitucionais faz presumir que a pressão externa — principalmente com base em argumento distorcido, como a iminente prescrição — não surtirá efeito algum. E não influenciará a análise detida do ministro Ricardo Lewandowski, que analisa os autos apenas desde março último e a quem incumbe a importante missão de revisor.
adorei o artigo
ResponderExcluirExcelente artigo!
ResponderExcluirO artigo é de uma lucidez enorme,e nos mostra o quanto podemos ser enganados por uma imprensa que desde já decretou a sentença dos réus,esquecendo ou nos fazendo esquecer que vivemos num estado de direito, onde o direito a defesa, faz parte da premissa de todo cidadão,parabéns e tive acesso ao mesmo pelo twitter,abraços.
ResponderExcluir@BetoWalder
Excelente texto,e de suma importancia!!!
ResponderExcluir@LeDiniz2002
Conheci atravez do twitter.