segunda-feira, abril 09, 2012
Indústria perdida - GEORGE VIDOR
O GLOBO - 09/04/12
A indústria de brinquedos produz no país apenas 30% dos produtos que põe em oferta no mercado brasileiro. Importa os demais 70%. A indústria de eletrodomésticos da chamada linha branca (geladeiras, fogões, máquinas de lavar roupa, etc ) tem mais consumidores a cada dia; só que, na fabricação, passou a usar maior quantidade de chapas de aço importadas. E aço é o que não deveria faltar por aqui.
As siderúrgicas brasileiras compram minério de ferro mais barato que seus concorrentes no exterior. Várias delas têm minas próprias e são autossuficientes em energia elétrica. São quase vizinhas de seus principais clientes. O único insumo importante que precisam importar é o carvão metalúrgico. No entanto, além de perder espaço para as chapas importadas pela indústria de eletrodomésticos, muitas vezes não conseguem chegar a um acordo para a venda do aço usado na montagem dos cascos de navios. E nem sequer produzem trilhos agora encomendados em larga escala por extensas ferrovias em construção ou ampliação.
A carga tributária sobre os produtos industriais é pesada, mas os fabricantes de eletroeletrônicas de Manaus veriam com bons olhos um aumento de IPI, que recairia mais sobre os concorrentes importados, enquanto eles desfrutam de incentivos fiscais.
Enquanto alguns segmentos (máquinas e equipamentos, por exemplo) amargam diante da valorização do real, outros crescem a um ritmo de 7,5% sem quase se importar com o câmbio, como é o caso do setor de cerâmica.
O momento é mesmo confuso para a indústria brasileira, que ficou meio sem rumo. Não há um diagnóstico único, nem mesmo uma solução que seja denominador comum. Até o câmbio, que parece provocar uma choradeira geral, não é unanimidade.
O programa Minha Casa, Minha Vida ataca um dos graves problemas sociais do Brasil que é o elevado déficit habitacional. O programa mostra que será possível eliminar o déficit ainda durante esta década.
O maior desafio do programa é a construção de milhões de unidades para famílias com renda de até três salários mínimos. Por causa dos subsídios ao comprador, necessários pela incapacidade das famílias de baixa renda pouparem, a construção deve ser feita como uma linha de montagem industrial e ao menor custo possível. Os imóveis são relativamente pequenos (42 metros quadrados) e agrupados em conjuntos habitacionais para milhares de famílias, com mesmo padrão de renda. Para evitar que se transformem em guetos de pobres, os empreendimentos vêm sendo organizados como condomínios de classe média, com a missão de cuidar da manutenção dos prédios e áreas comuns, assim como zelar para que não haja uma descaracterização arquitetônica dos projetos.
Mas esse risco não pode ser totalmente descartado em face da opção adotada para a construção da maior parte dessas unidades habitacionais: paredes de concreto, sem isolamento térmico. Embora os futuros moradores sejam de renda baixa, não se pode tirar deles a alternativa de um dia usufruírem do conforto proporcionado pelo ar refrigerado, nas noites calorentas de verão. Os empreendimentos com paredes de concreto não têm previsão para aparelhos de climatização e nem há instalações elétricas para tal.
O mais adequado seria o uso de paredes estruturais de tijolos, mas isso pode esticar o tempo de construção, e também a necessidade de mais mão de obra, o que encarece a construção. É uma situação meio do tipo "se correr o bicho pega, se ficar o bicho come". Mas não adianta esconder o problema e executar o programa olhando apenas para as estatísticas. Mesmo para os políticos que hoje colhem os frutos da execução do Minha Casa, Minha Vida, essa questão pode virar um bumerangue.
Uma outra dúvida é se a indústria brasileira de cerâmica conseguiria atender ao aumento de demanda do Minha Casa, Minha Vida se o tijolo substituísse o concreto nas paredes dos empreendimentos para as famílias de baixa renda. É provável que sim, pois, ainda que 90% das 6.900 fábricas sejam pequenas, as indústrias estão bem distribuídas pelo território nacional e ficam próximas ao mercado consumidor, a uma distância máxima de 250 quilômetros, na região Norte.
A indústria de cerâmica usa como matérias-primas a argila e a água. Dependendo do processo de queima, faz-se tijolo, telha, azulejo ou porcelanato. No Brasil, as empresas maiores têm créditos de carbono, porque usam resíduos de madeira (de fábricas de móveis, por exemplo) ou agrícolas em seus fornos, e com isso evitam que sejam jogados em aterros sanitários e passem a emitir o poluente gás metano. Uma outra característica interessante do setor é que a maioria dos empregados (cerca de 300 mil) vive em casas construídas junto às indústrias. Em diversos municípios, são a única fonte de emprego formal no setor privado.
A hidrelétrica de Jirau, em construção, fica a 130 quilômetros do centro de Porto Velho. A outra grande hidrelétrica em construção na região, Santo Antônio, fica a sete quilômetros. Em Jirau, fora do horário de trabalho, não há muito o que fazer. Esse é um problema comum em grandes obras, isoladas ou distantes de centros urbanos. Por causa dessa experiência - e das dificuldades de manter tamanha multidão entretida - os construtores da futura usina de Belo Monte, no Pará resolveram contratar o máximo possível de casais locais, evitando a concentração masculina. À noite, os cursos de alfabetização (antes as empreiteiras não contratavam analfabetos) ajudam a ocupar os que ficam isolados nos canteiros da obra.
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