terça-feira, abril 24, 2012

É só não ir - J. R. GUZZO

REVISTA VEJA

Para o brasileiro comum só existe um problema de verdade nas relações entre Brasil e Estados Unidos: o visto de entrada. Muito pouca gente perde o sono por causa do “tsunami” de dólares do qual tanto fala a presidente Dilma Rousseff em seus discursos internacionais — um assunto que, francamente, já começa a encher a paciência. Fora o governo, para quem Cuba é o país mais importante do mundo, quase ninguém se interessa pelas rixas entre americanos e cubanos, ou pelo apoio que o Brasil dá a nações como Irã, Síria e outros desafetos dos Estados Unidos. Que diabo isso tudo teria a ver com a sua vida? Seria bom, talvez, que a presidente Dilma falasse um pouco menos dessas coisas, para não ficar parecendo aquele tipo de pessoa que não muda de ideia e não muda de assunto. Mas, para o cidadão que existe na vida real, tanto faz. O que lhe interessa mesmo é a questão do visto, e nenhuma outra. Pode soar esquisito, mas o fato é que para um número cada vez maior de brasileiros o visto de entrada nos Estados Unidos passou a ser hoje um dos problemas da vida.

O sujeito já tem complicações suficientes no seu dia a dia — profissionais, familiares, financeiras, afetivas, de saúde, com o seu time de futebol. Por que acabou permitindo que a isso tudo viesse se somar o calvário atualmente exigido para a obtenção do visto americano?

Nada parece capaz de deter a ânsia de levar a criançada para Orlando ou a patroa para comprar roupa de cama nos outlets de Nova York. Cerca de 1,5 milhão de brasileiros viajaram para os Estados Unidos no ano passado; no último mês de março, o total de vistos foi 60% superior ao de 2011. Muitos nem percebem, mas já começam a mostrar sintomas de obsessão; têm orgulho, por exemplo, de exibir o carimbo do visto em seu passaporte, como se tivessem recebido um diploma de honra ao mérito.

Parece haver no ar, ultimamente, alguma perspectiva de melhora na situação. Pouco tempo atrás, o presidente Barack Obama, em pessoa, pediu um aumento “de 40%” na capacidade de emissão de vistos para brasileiros. Já para este mês de maio, pretende-se iniciar um programa destinado a selecionar o grande total de 150 homens de negócios brasileiros (isso mesmo; 150) e permitir que passem por uma espécie de fila rápida no desembarque em solo americano; se der tudo certo, daqui a um ano o número desses bem-aventurados pode chegar a 1500. Na recente viagem da presidente Dilma aos Estados Unidos, anunciou-se a abertura de mais dois consulados no Brasil — para 2014. Por fim, foi mencionada a possibilidade de que em algum dia, no futuro, os cidadãos brasileiros sejam dispensados do visto de entrada nos Estados Unidos, como já se faz em relação a países classe “A” da Europa. Supõe-se, para tanto, que o Brasil precise ficar mais parecido com os países classe “A” da Europa — e só Deus sabe quando isso vai acontecer.

Até lá o brasileiro que quiser viajar para os Estados Unidos continuará se submetendo à humilhação de ter seu passaporte retido por quinze dias nos consulados americanos quando pedir o visto — algo que nenhuma autoridade brasileira tem o direito de fazer sem autorização judicial. É possível que tenha de apresentar sua movimentação bancária nos últimos noventa dias; nem a Receita Federal exige uma coisa dessas. Proíbe-se a entrada de celulares nos consulados, como se faz nas penitenciárias. Há a exigência de entrevistas pessoais, pelas quais é preciso esperar durante meses.

Ao chegar aos Estados Unidos, o brasileiro é, com frequência, recebido com hostilidade. Vê-se obrigado a responder a perguntas abusivas, ou se faz insultar pelos agentes do Departamento de Imigração. São comuns episódios claros de racismo. Se no guichê de apresentação do passaporte o agente é negro, o visitante branco arrisca-se a ser tratado com mau humor, má vontade e má educação, e o mesmo acontece se o visitante é negro (ou do “tipo brasileiro”) e o agente é branco; em qualquer dos casos, o que olham é para a cor da sua pele. A mensagem disso tudo é clara: “Você não é bem-vindo aos Estados Unidos; não queremos estrangeiros por aqui”. Entre os desejos do presidente Obama e as realidades do homem de farda no aeroporto há um mundo de diferença.

Contra isso tudo só existe uma vacina 100% eficaz, e disponível para todos os brasileiros que não são obrigados, por motivos diversos, a ir para os Estados Unidos: não viajar mais para lá. Qualquer um, é claro, tem o direito de engolir humilhações. Mas não deve esperar simpatia, se insiste em passear num país onde não querem ver a sua cara.

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