segunda-feira, abril 09, 2012

As viúvas de Demóstenes - LEONARDO CAVALCANTI

CORREIO BRAZILIENSE - 09/04/12




A imagem de desilusão de quem acreditou no senador aproxima-se à daquela mulher que descobriu a amante do marido no dia do enterro. Ao se envolver com o bicheiro Cachoeira, o político goiano está fora das referências positivas dos eleitores brasileiros. Melhor assim


Demóstenes Torres tinha lá seus fãs. Melhor, uma infinidade deles. E não só entre os goianos, que o reelegeram com mais de 2 milhões de votos em 2010. Sem exageros, o senador do DEM era um dos principais representantes de um grupo de pessoas cientes da necessidade do contraditório, das ações e denúncias contra os governos petistas de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.

É impossível saber o universo de eleitores, mas eles bem ou mal repercutiam as declarações do goiano. Na prática, dependiam dele como arauto, afinal o camarada tinha currículo brilhante no Ministério Público. E o início da vida parlamentar contribuiu para reforçar a imagem positiva do político, presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, a mais importante da Casa.

Temos uma série de viúvas de Demóstenes espalhadas pelo país. Mas não aquelas que guardam respeito pelo companheiro ao longo da vida. Refiro-me à mulher que descobre a amante do marido no dia do enterro. A boa imagem do camarada acaba ali. Ao se envolver com o bicheiro Cachoeira, o senador agora está fora das referências positivas dos eleitores. Melhor assim. Toda desgraça é pouca para quem enganou o cidadão, mesmo que tal coisa sirva mais uma vez de lição: acreditar piamente em políticos com discursos moralistas ao extremo só pode dar nisso, desilusão. Já temos exemplos demais.

Denúncias
Mas há outro aspecto da queda de Demóstenes, talvez mais emblemático. Desde a chegada a Brasília, em 2003, ele sempre foi procurado por jornalistas para repercutir reportagens. As frases eram exatas, claras e contundentes contra a corrupção. E, além do mais, tinha vasto espaço na mídia para publicar artigos. Nas listas dos mais influentes, lá estava ele, independentemente da qualificação dos jurados.

O senador era um formador de opinião, na melhor acepção do termo. Aliás, os próprios admiradores do goiano poderiam receber tal alcunha. Repito: o fato — ou a existência — dessas pessoas é positivo, afinal a democracia precisa do contraditório, do grito de que algo está errado. Assim, Demóstenes se fez, e se transformou num dos principais quadros de uma debilitada oposição aos petistas.

E aí está a maior perdedora com a desgraça de Demóstenes: a oposição. A caixa de ressonância segura dos partidos adversários do Palácio do Planalto perdeu um dos melhores componentes. E aqui não estou a dar espaço a lamentos. Ao contrário. A dificuldade do DEM e das demais legendas é de ordem prática. A partir de agora, terão de jogar com menos um, desequilibrando ainda mais as partidas.

O problema é que — ao contrário de um atleta expulso, obrigado a abandonar o campo de imediato, depois de fazer uma jogada perigosa — Demóstenes parece querer insistir no mandato. Assim, permanecerá ali, sendo lembrado todos os dias. Para piorar as coisas, o início do seu esquisito nome próprio é igual ao do partido de que se desfilou na semana passada. Uma desassociação difícil.

Outra coisa
Por mais que o clima de cassação tenha invadido o Senado, o processo é longo. E encostará no período da campanha eleitoral, o que já interfere diretamente na disputa dos municípios goianos e deverá atrapalhar o discurso da oposição ao Palácio do Planalto pelo menos nas capitais. O único alento para os adversários dos petistas em outubro é que o Partido dos Trabalhadores não precisa de inimigos para se atrapalhar. Os camaradas se atrapalham sozinhos. É só assistir com mais cuidado às atuais negociações para os palanques nas principais cidades brasileiras. Não faltam exemplos.

“Sempre se pode formar a opinião pública num duplo processo, de baixo para cima e vice-versa, através dos líderes de opinião, tanto em nível local como nacional”

Trecho de Dicionário de Política, de Norberto Bobbio, Nicole Matteucci e Gianfranco Pasquino.

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