sábado, abril 07, 2012

As etapas - MERVAL PEREIRA


O GLOBO - 07/04/12


A dramática exortação a Cristo feita pelo presidente venezuelano Hugo Chávez, entre lágrimas, para que lhe dê mais tempo de vida— “Não me leve ainda porque tenho muitas coisas a fazer”— é o diagnóstico mais próximo da realidade que se pode ter um governo quase ditatorial, onde as informações sobre a saúde de seu presidente são consideradas de “segurança nacional”.

Essa obsessão pelo segredo pode ter custado a Chávez a chance de tratar o câncer que o acometeu de maneira mais profissional e com tecnologia mais avançada.

Visivelmente necessitando de apoio emocional, Chávez, que regressara de Cuba, onde se submetera a mais uma etapa de um tratamento que não vem dando resultados, disse que sentia vontade de revelar seus sentimentos mais íntimos, e contou: “Há anos comecei a assumir que tinha uma enfermidade muito maligna que marca o fim do caminho de muita gente”. Mesmo que tenha pensado que morreria logo, Chávez garantiu que se sente forte para continuar a lutar “porque há muitas razões”.

Avinda ao Brasil, oficialmente para uma visita ao ex-presidente Lula, pode acontecer tarde demais para que seja tratado no Hospital Sírio-Libanês, onde poderia ter sido internado desde o início da doença, não fossem as exigências inaceitáveis que impôs na ocasião.

O governo venezuelano queria interditar dois andares do Hospital Sírio-Libanês em São Paulo e colocar o Exército para tomar conta do hospital, revistando todos os visitantes. E ainda proibir a divulgação de boletins médicos. A falta de transparência na Venezuela e em Cuba, onde ele afinal foi se tratar, é tamanha que até o momento não se sabe oficialmente em que local do corpo de Chávez está localizado o tumor originário. Sabe-se que poderia estar na “região pélvica”, mas não há mais detalhes. O máximo que se sabe, e assim mesmo por informações fragmentadas, é que se trata de um câncer “colorretal” que abrange tumores em todo o cólon, reto e apêndice.

As informações vazadas por meio de algumas páginas do Twitter e na coluna do jornalista Nelson Bocaranda indicam que o tratamento em Cuba teve vários erros, até mesmo queimaduras na radioterapia, e por falta de equipamentos alguns exames tiveram que ser enviados para hospitais no Brasil e até nos Estados Unidos.

O jornalista venezuelano diz que uma equipe precursora já partiu de Caracas para preparar a visita de Chávez ao Brasil, e que ele se submeterá a um exame de scanner no Hospital Sírio-Libanês em São Paulo. Há, no entanto, grupos políticos ligados a Chávez que são contra a vinda dele ao Brasil, alegando as mesmas razões anteriores, de segredo e segurança. Na Venezuela, há a certeza de que no Hospital Sírio-Libanês o presidente venezuelano será mais bem tratado, mas também de que as informações sobre sua doença, até agora mantidas em segredo de Estado, serão reveladas em boletins médicos, mesmo que certas informações possam ser enquadradas no sigilo médico. O mais provável é que Chávez tenha sido convencido por Lula, com quem conversou pelo telefone sobre seu tratamento, a fazer alguns exames no hospital paulista e receber orientações, numa atitude de desespero diante da gravidade da doença, que tem resistido à quimioterapia e à radioterapia em Cuba. Há informações de que o presidente teve problemas intestinais devido à evolução da doença, já em processo de metástase.

A questão central, no entanto, continua sendo a eleição de outubro. Numa corrida contra o tempo, Chávez tem seis meses até as urnas para tentar a reeleição, e está fazendo o possível e o impossível para manter-se em condições de enfrentar uma campanha eleitoral que certamente será a mais dura que ele já enfrentou.

Embora sua popularidade aumente à medida que suas aparições na televisão se tornam cada vez mais emotivas, misturando a política com a fé religiosa, ele pode não ter tempo de vida útil.

Sua reação à doença até o momento vem obedecendo uma escala descrita por Elisabeth Kübler-Ross no que é conhecido como “o modelo Kübler-Ross” de reações a notícias trágicas ou doenças terminais, descrito no livro “On death and dying” (“Sobre a morte e o morrer”), de 1969, publicado no Brasil pela editora Martins Fontes.

Nem todas as pessoas afetadas passam pelas cinco etapas desse processo doloroso. A médica suíça, que morreu em 2004, explicava que essas etapas não se sucedem necessariamente nessa ordem, e nem todos os pacientes passam por todas elas, mas que todos passarão por pelo menos duas delas.

Normalmente, as pessoas passam por essas etapas em um efeito que ela chamou de “montanha-russa”, indo de uma para outra diversas vezes até o desfecho.

Na véspera de viajar para Cuba para os exames que confirmaram que tinha um novo tumor, em fevereiro, Chávez apareceu em público para afirmar que o câncer “se fora” de seu corpo. Assim como, quando regressou de Cuba depois da primeira operação, declarou-se “curado”. Essa é a primeira etapa, a da “negação”.

A segunda etapa seria a “ira”, quando a pessoa se indigna com o que está acontecendo, considerando-se injustiçada: “Como isso pode estar acontecendo a mim?”.

A terceira etapa é a da negociação, que parece ser aquela em que está o presidente venezuelano a esta altura de sua tragédia pessoal.

O apelo que fez para que tenha mais alguns anos de vida para fazer o que falta é típico do indivíduo que tenta retardar o final. A “depressão” é a etapa seguinte, quando a pessoa começa a assumir a inexorabilidade da doença. A médica Elisabeth Kübler-Ross diz que essa etapa é importante de ser vivida pelo paciente, e não é recomendável que se tente tirar a pessoa da depressão. A última etapa seria a da “aceitação”.

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