quinta-feira, abril 26, 2012

As águas turvas de uma CPI imprevisível - EDITORIAL O GLOBO


O Globo - 26/04/12


A CPI que agora começa em Brasília ameaça transformar-se em pororoca, engolindo nomes e reputações. O governo conseguiu nomear o relator, deputado Odair Cunha, que promete manter o foco das discussões sobre o bicheiro Carlinhos Cachoeira.

Não se trata, diz ele, de uma investigação que vá para cima do Planalto, ou de qualquer membro do governo. Mais fácil de dizer do que de fazer.

A CPI pode, e deve, prestar um favor à política brasileira. Com tudo o que se sabe de Cachoeira, e de sua parceria com a empreiteira Delta, fica evidente que chegou a um extremo insuportável, no Brasil, a confusão entre práticas públicas e interesses privados. E esse tumor precisa ser lancetado.

O problema é que o processo político, neste caso, tem origens turvas, em que pesem as boas intenções do relator governista. Ele foi escolhido, como se sabe, contra a vontade do ex-presidente Lula, que queria para o lugar o deputado Cândido Vaccarezza, indisposto com o governo desde que foi afastado da liderança na Câmara.

Lula aparece, assim, como grande ator por trás desse processo. Até as pedras de Brasília sabem que sua primeira intenção, quando arquitetou a CPI, foi turvar as águas para perturbar o julgamento do mensalão. Outro objetivo era complicar a vida do governador de Goiás, seu adversário político, em cujo território Cachoeira se espalhou. Ainda um outro seria mostrar que todos os gatos são pardos, que há corrupção dentro e fora do governo. E ele também gostaria de identificar supostas intimidades entre a imprensa e os vilões da história.

Se são essas mesmo as motivações de Lula, feliz por retornar de seu jejum político, o primeiro e principal objetivo vai-se transformando em quimera. Semanas de revelações sobre malfeitores e seus modos de agir açularam a opinião pública, e isto chegou aos ouvidos do Supremo. É o ministro Lewandowski, por exemplo, que se sente pressionado a entregar com a possível rapidez o seu relatório, para que o julgamento do mensalão possa começar. Tanto Lewandowski quanto o novo presidente do STF, Ayres Britto, acham que o julgamento pode, sim, começar este ano, talvez ainda neste semestre.

Ainda mais vã é a insistência com que o ex-presidente bate na tecla da "farsa" para caracterizar o mensalão. Se fosse farsa, nela estariam envolvidos o procurador-geral da República, que falou de "organização criminosa" para descrever aquele momento infeliz da nossa vida pública, e o STF, que acolheu a denúncia.

Lula deixou sua marca na história do Brasil. Foi o mais popular de todos os nossos presidentes - e isto não aconteceu por acaso. Seu prestígio internacional está fora de questão, não só por seu sucesso político, mas porque se considera, com razão, que em seu período de governo diminuiu a desigualdade, que sempre caracterizou o Brasil, e multidões entraram para o que é agora uma nova e pujante classe média.

Mas em seus dois mandatos não houve um só momento em que se decretasse um limite para os "malfeitos". Passou-se a mão na cabeça de todos os espertos, de todos os deslizes. É essa herança obscura que explode agora numa sequência atordoante de revelações. Antes que isso tudo termine, muita água vai rolar por debaixo da ponte. E o resultado é imprevisível.

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