sábado, março 17, 2012

Supremo: decifra-me ou te devoro - WALTER CENEVIVA


FOLHA DE SP - 17/03/12

O Brasil vive situação com ares de imposição mitológica. A figura, não mitológica, mas fundamental, tem 11 cabeças 


A MITOLOGIA grega narra a história do monstro que, postado na estrada, esperava os passantes para lhes propor enigma impossível de decifrar, culminando com a frase assustadora: "decifra-me ou te devoro".

O Brasil de hoje vive situação que tem ares de imposição mitológica. A figura, não mitológica, mas fundamental na vida do país, tem 11 cabeças. Trata-se do STF (Supremo Tribunal Federal). A influência resultante de tais cabeças será grave. Não envolverá um passante qualquer, mas todo o povo, colocado em situação inusitada, já que não temos como saber qual caminho percorrerão nas questões constitucionais que nos aguardam na formulação da justiça para todos.

Gostando ou não gostando, a cidadania brasileira, muito mais que buscar sua síntese jurídica, terá de decifrar o STF com a nova escalação de seus componentes, sem os conhecer de perto, o que pensam e pensarão a respeito do destino do Brasil em matérias fundamentais da nacionalidade.

Para o leitor leigo, duas informações são necessárias: o STF tem 11 magistrados, cabendo-lhes a interpretação da Carta Magna. A missão vem definida pelo art. 102 da Carta. Decorre de sua competência precípua de guarda da Constituição. A guarda pode mudar toda vez em que um dos 11 seja substituído, em matéria na qual há sempre o anseio fundamental de ter, pelo menos, uma certa previsibilidade.

A escalação dessas eminentes autoridades do direito sofrerá mudanças quase imediatas quando dois integrantes serão substituídos até 2013. A composição alterada não é estranha à Corte. Começou com 15 ministros na transposição do Império para a República. Em 1931, o número de 11 componentes preponderou, mas no retorno ditatorial de 1964 (Ato Institucional nº 2/1965), o número de vagas foi alterado para 16. O Ato Institucional nº 6 de 1969 reduziu outra vez para 11 o número de ministros, composição que se mantém até hoje.

O ano de 2013 completará as alterações ocorridas e por ocorrer. O ministro Ayres Britto substituirá Antonio Cezar Peluso na presidência do STF e, alguns meses depois, também se aposentará Britto, que veio da advocacia e honrou suas origens. Peluso saiu do hoje conturbado Tribunal de Justiça de São Paulo, com dezenas de anos de judicatura. O ano próximo acrescentará às novidades mais uma, boa em si mesma. O Brasil terá o primeiro presidente negro de sua mais alta corte da Justiça do Brasil, na pessoa do ministro Joaquim Barbosa. É pena que a saúde de Barbosa tenha sido causa de preocupação extra na composição do quorum de votações.

O jogo da história, em certos momentos, tem muita importância específica para toda a nação brasileira, mais relevante agora que estamos assumindo destaque no conjunto das nações.

Passamos, em pouco mais de 120 anos, por modificações forçadas, conforme se viu quando houve desagrado dos marechais, almirantes, brigadeiros e de seus aliados civis detentores do poder econômico em 1964. Outras, em clima de normalidade constitucional, registraram fenômeno inusitado: a substituição majoritária dos veteranos no STF em poucos anos.

Os novos chamados ou por chamar terão de dizer a que vieram. Sejam felizes. Será modo de impedir que outros entes mitológicos queiram devorar-nos.

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