sexta-feira, março 09, 2012
Sem segredos - LUIZ GARCIA
O GLOBO - 09/03/12
Todos os governos têm segredos. Por motivos óbvios, eles são mais numerosos - e, por razões tristemente também óbvias, mais cabeludos - no caso das ditaduras. Os chamados regimes de exceção (forma delicada de caracterizar a sua ilegalidade) colocam a sua sobrevivência acima de qualquer direito ou necessidade dos cidadãos. E a verdade é sua inimiga.
A ditadura militar é uma lembrança triste na memória do povo brasileiro. Triste, mas necessária. Como alguém já disse, aqueles que esquecem o passado estão condenados a repeti-lo. O que é motivo suficiente para que a arquibancada bata palmas para a decisão do Ministério da Defesa de ampliar o acesso dos cidadãos aos seus documentos internos que fazem parte da história dos anos de ditadura. Uma decisão, deve-se dizer, inevitável: é exigida pela Lei de Acesso à Informação, sancionada pela presidente Dilma Rousseff no fim do ano passado.
Obedecendo à lei, o ministro da Defesa, Celso Amorim, assinou uma portaria determinando aos comandos militares que façam um levantamento dos documentos hoje mantidos em segredo, para liberar aqueles que a sociedade ganhou o direito de conhecer. O sigilo deixa de ser a regra e passa a ser a exceção. Em muitos casos, a divulgação de informações hoje secretas será espontânea.
Pode-se esperar que essa nova política permita que historiadores isentos - e esse adjetivo é obviamente indispensável - escrevam a história dos nossos anos de chumbo. Uma prova de que isso é necessário está em entrevista recente do general da reserva Luiz Eduardo Rocha Paiva, que disse não acreditar que o jornalista Vladimir Herzog tenha sido assassinado numa cela do 2º Exército, em 1975, um crime reconhecido, anos depois, pela Justiça e pelo governo.
Podemos - e até devemos - acreditar que não há clima no Brasil de hoje para uma volta dos anos de chumbo. Mas sempre é bom não esquecê-los. Na década de 60, o fantasma de uma "república sindicalista", projeto de poder de João Goulart e Leonel Brizola - e que poderia existir mesmo - criou o clima para a ação militar que, contrariando uma suposta tradição, produziu anos de regime de exceção. Quanto melhor um país conhecer o seu passado, maiores serão as chances de não repetir os seus erros.
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