sexta-feira, março 23, 2012

Quem pisca primeiro - DENISE ROTHENBURG

CORREIO BRAZILIENSE - 23/03/12


Se o eleitor da crescente classe C, hoje apoiador de Dilma, perceber que alguém pode ter diálogo com o Congresso e, ao mesmo tempo, assegurar o desenvolvimento do Brasil sem escândalos ou brigas, adeus PT e Dilma

Os políticos mais observadores e discretos estão atônitos com o impasse criado entre a presidente Dilma Rousseff e os congressistas da sua base aliada, uma novela que, ao que tudo indica está longe do capítulo final. Ontem, depois das derrotas sofridas em várias instâncias do Congresso Nacional, a presidente não moveu um músculo em direção à bandeira branca. Ao contrário.

Do Planalto, têm-se notícias de que a liberação de emendas individuais ao orçamento continua suspensa e, por tabela, nomeações de segundo escalão. Aqueles encontros que ela prometeu aos integrantes da base aliada também foram adiados. E, para completar, Dilma agora descobriu um mecanismo para deixar as agências reguladoras funcionarem sem que os personagens detentores de poder decisório passem pelo crivo dos políticos e deflagrou demissões para todo o lado nessa seara. E, de quebra, em várias dessas agências, técnicos indicados por partidos são chamados a entregar os cargos.

Da parte dos políticos, o ânimo não é diferente. Enquanto não sair um calendário para votação do Código Florestal antes da Rio+20, não tem conversa. Greve geral em relação a projetos de interesse do Poder Executivo. E, diante disso, Dilma — que não considera nada tão relevante para votar a toque de caixa e se refere à grande parte da crise como “espuma” — paga para ver se os parlamentares cumprem as ameaças. Ou seja: estão todos com a faca na boca e ninguém se move em direção ao diálogo.

Por falar em diálogo…
A esperança de muitos é a de que nesta sexta-feira a presidente dê algum sinal de armistício antes de viajar para a Índia. Está prevista uma reunião de ministros com a presidente para discutir a crise sem fim e tentar buscar soluções em curto prazo. Ontem, já houve um almoço nesse sentido e é possível que ela anuncie Brizola Neto como novo ministro do Trabalho.

O problema é que, do jeito que a carruagem se move, nem cargos nem emendas serão suficientes para “domar” a base no assunto que mais interessa à presidente no momento: o Código Florestal. Os parlamentares tratam do tema como uma disputa entre ambientalistas e ruralistas e não um assunto de governo. Foi esse o clima da primeira votação do texto na Câmara e é o sentimento que predomina no momento. De mais a mais, os ruralistas querem o texto votado antes do vencimento do decreto que concedeu anistia aos desmatadores, em abril. Portanto, se nenhum dos dois ceder no Código, o impasse não será resolvido e os reflexos virão logo ali.

Por falar em reflexos…
Impasses políticos podem ser bem recebidos num primeiro momento pela opinião pública farta do toma lá, dá cá, mas, no fundo, não são positivos para ninguém. Nem para o PT. No caso dos petistas, o primeiro sintoma dessa briga já respingou não só no candidato a prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, sem perspectiva hoje de montar uma grande aliança em torno de sua candidatura, conforme colocamos aqui ontem. O segundo reflexo, pouco explorado, foi a aceitação pela Câmara da proposta que obriga a demarcação de terras indígenas a passar pelo parlamento. Se o texto for aprovado, sabe quando os índios vão conseguir demarcar um hectare? Nunca! Basta ver o tamanho da bancada ruralista.

Afora questões como as demarcações de terras, que têm reflexo direto na vida das pessoas, outras eleições virão. E se o eleitor da crescente classe C, hoje apoiador de Dilma, perceber que alguém pode ter diálogo com o Congresso e, ao mesmo tempo, assegurar o desenvolvimento do Brasil, adeus PT e Dilma.

Nos bastidores, existe quem diga com todas as letras que a classe política seguirá em 2014 na direção a qualquer outro nome que surja como interessado no diálogo e no respeito ao Congresso Nacional. E, hoje, os congressistas não sentem esse respeito do governo. Tudo bem que ela queira mudar a forma de relação com os congressistas, mas não será com a faca na boca que ganhará aliados para seus planos. No Brasil, aqueles que desprezaram a harmonia entre os Poderes não vingaram. Por isso, para a felicidade geral, espera-se que a meditação e os mantras ajudem a presidente a se abrir ao diálogo republicano com a própria base. Por enquanto, nem nesse sentido eles sentem que ela topa conversar. Aí, fica difícil. 

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