quinta-feira, março 01, 2012
Pobre comércio com a China - ALBERTO TAMER
O Estado de S.Paulo - 01/03/12
A China descobriu o Brasil muito tarde, há apenas dois anos, e corre agora para recuperar o tempo perdido. Investe em minérios, petróleo e alimentos para se abastecer e influenciar nos preços e não em setores industriais que sustentam seu crescimento econômico. Quer produzir no Brasil o que não tem condições de produzir na China. Não apenas isso, continua exportando para nós o que produz utilizando matérias-primas que importa do Brasil - tecidos, calçados, carros e máquinas.
São essas as conclusões das principais análises das relações bilaterais entre os dois países. Importando a preços menores por causa do protecionismo cambial chinês, o Brasil ganha porque pode conter a inflação e engordar a conta das exportações, mas perde porque exporta essencialmente commodities, o que não só prejudica a indústria, mas, acima de tudo, atentem para isso "empobrece", tese defendida com muitos dados e lucidez pelo professor de Economia da Universidade de Brasília, Jorge Arbache - e muitos outros - em capítulo do livro Brasil e China no Reordenamento das Relações Internacionais: Desafios e Oportunidades, editado pelo Itamaraty.
Empobrece? Sim, afirma Arbache, no livro que recomendamos para quem deseja se aprofundar no assunto. Há pouco mais de dois anos, a China nem figurava no registro do Banco Central dos países que investiam aqui. Tudo mudou nos últimos anos. Em 2010 foram de cerca de US$ 13 bilhões e no ano passado pelo menos US$ 15 bilhões.
Esses valores fornecem uma boa medida do crescente interesse chinês no Brasil. "Obviamente, ele não representa o impacto macroeconômico dos investimentos na economia brasileira, já que a maior parte desses investimentos se refere à troca de controle entre empresas estrangeiras. Se subtrairmos esta troca de controle, obteremos para 2010 um número surpreendentemente inferior a US$ 1,5 bilhão."
Insistimos, porém, que o valor que melhor representa as relações China-Brasil, com todas as implicações que isso pode ter daqui por diante, são os US$ 13 bilhões - já que esse valor marca a consolidação da presença chinesa no Brasil por meio de investimentos, afirma ele.
Mais alimentos, minérios. Uma característica importante é que os investimentos dos chineses no Brasil concentram-se em mineração, alimentos, petróleo, gás e na infraestrutura como portos, ferrovias, necessária para o seu escoamento desses produtos para a China. "Em 2010, a quase totalidade dos investimentos foram direcionados a produtos básicos para exportação, sendo o petróleo o grande destaque. Além de se concentrarem em commodities, 70% desses investimentos ocorreram na modalidade de fusões e aquisições, não em investimentos na criação de novas empresas e geração de novos empregos", assinala Jorge Arbache no estudo.
A China também se tornou importante fonte de crédito externo para o Brasil, mas esses créditos são normalmente vinculados a projetos de produção, logística ou comercialização de produtos básicos. O empréstimo de US$ 10 bilhões à Petrobrás, garantido por exportação de petróleo, é um caso mais marcante e repete no Brasil o que a China faz na África e está fazendo na América Latina. Onde não pode comprar terras, financia e compra antecipadamente a produção.
Primarização empobrece. Dessa forma, a China fomenta e encoraja a crescente primarização da produção no Brasil.
A primarização empobrece por várias razões, diz o professor da Universidade de Brasilia. "Uma delas é que apenas 3% dos trabalhadores com carteira estão empregados no setor agropecuário e menos de 0,5% no setor mineral. Além de empregar pouco, o setor de produtos básicos cria muito pouco emprego quando cresce", afirma ele. Exportar cada vez mais commodities também empobrece porque seus preços são extremamente voláteis, afetando os investimentos e as finanças públicas.
A produção e a exportação de commodities são certamente importantes, como fica evidente sua contribuição para a balança comercial, "mas elas não resolvem nem resolverão os desafios da economia brasileira de crescer de forma sustentada." Para a coluna, não se trata de "conter" as exportações de commodities, mas sim aplicar uma politica que estimule as vendas de produtos industrializados e básicos. Ou isso ou a pauta comercial brasileira vai continuar distorcida desestimulando o crescimento econômico a médio prazo.
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