sábado, março 03, 2012

O futuro se constrói no presente - KÁTIA ABREU

FOLHA DE SP - 03/02/12



Há razões para comemorar, mas não podemos tapar os olhos para os problemas estruturais que nos afetam



"A longo prazo estaremos todos mortos." Gosto muito dessa famosa frase do brilhante economista inglês John Maynard Keynes (1883-1946). Em sua aparente banalidade, encerra várias mensagens e significados.

Ela é uma apologia à ação presente para corrigir os problemas econômicos conjunturais.

Mas pode ser lida também como a defesa da ideia de que o futuro se constrói no presente, de que a ação -ou a inação- de hoje moldará o que vem pela frente.

Infelizmente, temo que nós, quer dizer, o Brasil, suas elites e seus poderes constituídos, embalados pelo momento positivo pelo qual passa o país, não estejamos atentos a essa lição.

Cuidar para que a inflação não vá além da meta, controlar os gastos públicos, conduzir a política monetária de maneira responsável, tudo isso é fundamental. Mas receio que estejamos negligenciado o futuro.

No longo prazo, como diz Keynes, estaremos mortos. Mas o Brasil, nossos filhos e nossos netos estarão vivíssimos e serão reféns do que fizermos no presente.

Não quero estragar a festa. Há motivos para comemorações e para otimismo. Avançamos consideravelmente nos últimos 25 anos.

Mas não podemos tapar os olhos para os problemas estruturais que impedem que cresçamos de forma consistente mais do que 3,5%, 4% ao ano. São problemas que tendem a se agravar, caso não sejam enfrentados desde logo.

Destaco quatro: a baixa qualidade da educação, o ambiente de negócios desfavorável ao empreendedorismo, a infraestrutura precária e o deficit estrutural da Previdência.

Na educação, ainda é grande a evasão escolar, especialmente no ensino médio, e a qualidade de ensino, mesmo com os avanços recentes, ainda deixa muito a desejar.

Nas avaliações internacionais, ficamos sempre em posições inferiores. No mais recente Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), por exemplo, ficamos em 53º lugar entre 65 países. Aqui, a melhora da qualidade, principalmente no ensino fundamental, deveria ser a nossa prioridade.

Também aparecemos mal no ranking das avaliações internacionais sobre o ambiente de negócios.

De acordo com o relatório "Doing Business", do Banco Mundial, que avalia as condições legais e institucionais para a realização de negócios, o Brasil está em 126º lugar entre 183 países avaliados.

Quanto à infraestrutura, não é necessário ser especialista para perceber que muito ainda precisa ser feito. Basta pegar o carro e dirigir por nossas estradas, que frequentemente demandam reparos.

Sem falar dos portos, que comprometem boa parte da reconhecida eficiência produtiva da indústria e da agropecuária brasileiras.

Felizmente, o governo Dilma parece estar convencido de que, considerando as nossas restrições fiscais, a maneira mais apropriada para melhorar a infraestrutura do país é delegar a tarefa à iniciativa privada nacional e internacional, que, como ficou provado na recente concessão de aeroportos, tem apetite e recursos para investir.

Falta, contudo, ir mais fundo nessa direção e vencer alguns resquícios ideológicos antiprivatistas que ainda resistem aos fatos.

Por fim, há a grave situação da Previdência Social, especialmente a do setor público.

A redução da taxa de natalidade e a ampliação da expectativa de vida inevitavelmente aumentarão os deficit previdenciários.

Segundo estimativa do Tesouro Nacional, mantidas as atuais regras de aposentadoria, só o deficit da previdência do setor público alcançará R$ 152 bilhões daqui a 20 anos.

Reformar o sistema previdenciário não é uma tarefa politicamente fácil, no Brasil ou em qualquer país. Mas teremos de enfrentar esse desafio.

São problemas que exigem a mobilização de toda a sociedade, mas que requerem, em primeiro lugar, a iniciativa do governo federal.

Afinal, é quem detém a principal parcela da responsabilidade de, em nome da coletividade, agir no presente mirando um futuro melhor para o país.


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