segunda-feira, março 05, 2012
Medicina doente - EDITORIAL FOLHA DE SP
FOLHA DE SP - 05/03/12
Não é de hoje que pesa contra o CNE (Conselho Nacional de Educação), cujas atribuições incluem o credenciamento de cursos superiores, a suspeita de favorecer os interesses de grupos empresariais privados. Dessa vez, as dúvidas foram levantadas por Adib Jatene, cardiologista, professor emérito da USP e ex-ministro da Saúde.
Em artigo na Folha, Jatene revela que o CNE recomendou a volta ao funcionamento, com capacidade plena, dos cursos de medicina que haviam recebido más avaliações e por isso tiveram o número de vagas reduzido, por determinação do MEC (Ministério da Educação).
A decisão do Conselho vale para sete instituições privadas, incluindo duas com avaliações insuficientes no Enade (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes).
A diminuição das vagas havia sido feita por recomendação da Comissão de Especialistas do Ensino Médico, presidida por Jatene. Ela esteve em todas as instituições mal avaliadas, onde entrevistou professores e alunos e verificou as condições de ensino.
A burocracia educacional do CNE dá mostras de que não é capaz de sobrepor-se aos apetites do mercado, mesmo quando contrários aos interesses da população. O primeiro imperativo, no caso, deveria ser a qualidade da formação dos futuros médicos, coisa que algumas instituições não têm condições acadêmicas e clínicas de garantir, embora com o poder de credenciá-los para exercer a medicina.
Uma alternativa interessante é criar um exame de habilitação obrigatório para médicos, nos moldes daquele que já existe para advogados, com provas teóricas e práticas.
Desde 2005, o Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo) já aplica aos formandos, em caráter experimental e voluntário, um teste de proficiência. Os resultados são de assustar, com índices de reprovação a variar entre 32% (2005) e 61% (2008).
Pode-se presumir que os números seriam ainda piores caso o exame fosse obrigatório para todos os concluintes. Como a prova é facultativa, a tendência é que só a façam os alunos mais preparados.
Infelizmente, são fortes as resistências à obrigatoriedade do exame -que, de resto, foi adotado em vários países. É o caso dos Estados Unidos, onde a sigla USMLE protagoniza os pesadelos dos jovens médicos, e do Canadá, onde a prova é conhecida -e temida- por outra sigla, MCCQE.
As objeções, aqui, partem de proprietários de escolas, que contam com ouvidos simpáticos em integrantes do CNE, além de muitos alunos. Mas, se não reúnem conhecimento mínimo, não deveriam ser autorizados a clinicar e operar.
Na medicina, afinal, os erros costumam ter consequências funestas.
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