sexta-feira, março 30, 2012

Máscara - MERVAL PEREIRA


O GLOBO - 30/03/12


O caso do senador Demóstenes Torres, do DEM de Goiás, vem atraindo a atenção não apenas do mundo político, mas também dos meios artísticos e psicanalíticos. Outro dia escrevi que o senador havia criado um personagem para si próprio, e o ator Antonio Pitanga me disse que está fascinado pelas facetas desse personagem e pela capacidade do senador de assumir um papel tão complexo quanto este, de defensor da moral e dos bons costumes, enquanto, por baixo do pano, mantinha uma relação promíscua com um contraventor.

Até mesmo agora, apanhado em flagrante por gravações feitas com a autorização da Justiça, o senador trabalha em duas frentes distintas: no Judiciário, pretende anular a validade das gravações, e, no plano político, tenta o apoio de seus pares para não ser julgado pela Comissão de Ética.

Segundo o psicanalista Joel Birman, professor da UFRJ e da Uerj, o senador Demóstenes é um mitômano que acreditou na sua própria fantasia.

Ele vestiu uma máscara, e ela acabou se colando em seu corpo. Ao dizer "Eu não sou mais o Demóstenes", está revelando uma personalidade psicologicamente quebrada, como se dissesse "Eu não sei mais quem é o Demóstenes".

Está também se fazendo de vítima para seus pares, a fim de evitar um julgamento político na Comissão de Ética do Senado.

Essa vitimização é importante, ressalta Joel Birman, no sentido de revelar uma estratégia de defesa. Esse personagem que o senador criou para si próprio não era uma mentira de Demóstenes, ele incorporou esse personagem e acreditava nele.

Podia acusar com veemência seus colegas senadores apanhados em desvios, como Renan Calheiros, enquanto mantinha o relacionamento com o bicheiro Carlinhos Cachoeira porque, como todo psicopata, não misturava as personalidades.

A de homem público era essa criada por ele para colocá-lo com destaque entre seus pares na defesa da ética na política, mesmo que tivesse no particular uma conduta antiética.

Outro exemplo recente de psicopatia na política foi o do ex-governador José Roberto Arruda, por sinal também do DEM e já devidamente expulso pelo partido, que chorou na tribuna do Senado, dizendo-se arrependido pela quebra do sigilo da votação no painel eletrônico.

Pediu desculpas públicas a seus pares e aos eleitores, além da família, passou por um período de purgação, para recuperar a popularidade até ser eleito governador de Brasília.

Durante um bom tempo foi tido como um governador exemplar e um quadro político de primeiro nível, potencial candidato à Presidência da República e objeto de desejo de políticos de diversos partidos como companheiro de chapa.

Enquanto isso, mantinha nos subterrâneos de seu governo um vastíssimo esquema de corrupção de políticos e fornecedores de sua administração.

O advogado do senador Demóstenes Torres, o famoso Kakay de Brasília, deu também uma declaração interessante outro dia. Disse que o senador estava naturalmente apreensivo com as notícias vazadas, pois elas minavam sua credibilidade, mas que, do ponto de vista jurídico, estava totalmente tranquilo.

Isso significa que a defesa do senador vai tentar impugnar as gravações feitas pela Polícia Federal, alegando que elas seriam ilegais.

Para o advogado Kakay, não importa que um juiz de primeira instância tenha autorizado as gravações telefônicas, pois, como o senador tem foro privilegiado, elas só poderiam ser feitas com a autorização do Supremo.

Como as únicas provas que existem nos autos são as gravações, conforme admite até mesmo o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, a luta será em torno da legalidade ou não das escutas telefônicas.

Há quem defenda a tese de que, como o senador Demóstenes Torres não era o objeto das escutas, e sim o bicheiro Carlinhos Cachoeira, não seria preciso pedir autorização do Supremo.

Tendo sido descoberto de maneira indireta, o senador estaria nesse caso sujeito a investigações pelo envolvimento em uma ação criminosa descoberta por acaso.

Caberá ao ministro do Supremo Ricardo Lewandowski decidir sobre o assunto, ao mesmo tempo em que o Senado estará obrigado a decidir se o convoca ao Conselho de Ética.

À medida que as provas vão sendo divulgadas, cria-se na opinião pública um clamor pela punição do senador que dificilmente poderá ser ignorado tanto pelo Supremo quanto pelo Senado.

Duas decisões polêmicas recentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Com relação à Lei Seca, concordo com a exigência de teste do bafômetro ou exame de sangue para definição sobre o estado etílico de um motorista.

O simples testemunho não pode ser uma prova conclusiva, como querem alguns textos legais em tramitação no Congresso.

No entanto, um motorista que cometa uma infração ao volante, especialmente se causar vítima, teria que ser obrigado a fazer o teste por um juiz.

Anteriormente o STJ decidira não punir um homem que mantivera relações sexuais com uma menor de 12 anos porque ficou provado que a criança já se prostituía antes do encontro com o acusado.

Como a partir de 2009 a relação sexual com menor de 14 anos foi classificada de "estupro de vulnerável", os senhores juízes consideraram que, no caso em discussão, não houvera "estupro".

O julgamento meramente técnico de uma chaga social brasileira transforma-se em uma maneira indireta de estimular a prostituição infantil, que deveria ser combatida em todas as circunstâncias.

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