segunda-feira, março 12, 2012
Inútil fanfarronice - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 12/03/12
O Brasil já sediou uma Copa do Mundo (em 1950), a seleção participou de todas as edições do Mundial e, de 1974 a 1998, sentou-se na cadeira de presidente da Fifa o brasileiro João Havelange. Por si só, estas credenciais são evidência de que o país não entrou como neófito no bilionário jogo pelo direito de promover a competição em 2014, o que lhe foi assegurado após uma mobilização que uniu o governo federal, dirigentes esportivos e a sociedade.
Junte-se a isso o fato de que, ao estimular o lançamento da candidatura brasileira, o poder público comprometeu-se com um caderno de encargos. Nele, a entidade sediada em Zurique apresenta explicitamente uma plataforma de exigências para os países interessados em promover o evento. Entre elas, além da reforma e/ou construção de estádios, inversões urbanísticas e mudanças na legislação.
São inaceitáveis, portanto, as demonstrações de bravata do governo brasileiro que têm marcado as relações com a Fifa. Primeiro, porque não contribuem para desfazer os gargalos que, de fato, existem na preparação do país para a Copa. Na verdade, esse tipo de postura parece querer disfarçar a leniência e a falta de empenho do poder público em relação aos compromissos assumidos. Segundo, porque não cabe contrabandear para a organização do evento fanfarronices que, além de dificultar os necessários entendimentos entre as partes envolvidas na preparação da competição, dão margem a um tipo de discussão mais apropriado às arquibancadas, em detrimento da civilidade no trato das dissonâncias. O destempero do secretário-geral da Fifa, Jêróme Valcke, e a consequente reação, também fora do protocolo, de Brasília às palavras do dirigente são inquestionáveis sinais desse descompasso que não atende ao que é relevante: o Brasil realizar uma Copa impecável.
Não se pode esconder que o país está atrasado em boa parte dos preparativos para a Copa.
É preocupante a insistência em negar essa realidade.
A renitência não ajuda a superar as demandas ainda por serem equacionadas. Há problemas sérios no projeto de mobilidade urbana, com fundamentais obras de intervenções urbanísticas sendo tocadas a passos lentos.
Resistências ditadas por interesses ideológicos impedem que o governo se empenhe na adoção de um projeto de efetiva modernização dos aeroportos, área vital para o sucesso de um evento internacional que atrai turistas/ torcedores de todo o mundo.
Há também suboferta de hotéis em diversas cidades (no Rio, por exemplo, um dos centros de turismo receptivo mais fortes do esquema da Copa), e são tímidas as iniciativas para melhorar a infraestrutura urbana (transportes, principalmente) — um dos prometidos legados da competição. Igualmente, inoportunas demonstrações de contestação no Congresso, com risíveis acusações de que a Lei Geral da Copa atentaria contra a "soberania nacional", contribuíram para o atraso na aprovação desse essencial projeto de mudança na legislação, para adequar legalmente o país ao perfil do evento.
Responder com inúteis bravatas a tais desafios apenas disfarça incompetências e procura esconder o que está na raiz de tudo: a Copa não é uma imposição da Fifa. Ao contrário, o Brasil pentacampeão do mundo correu atrás de uma legítima reivindicação, comprometendo- se a cumprir uma série de encargos de uma competição na qual estão envolvidos investimentos bilionários — e, por isso, deve ser tocada levando-se em conta interesses transnacionais, que não podem ficar a reboque de anacrônicas palavras de ordem.
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