sábado, março 03, 2012

A insensatez continua - SÉRGIO PAULO MUNIZ COSTA


O GLOBO - 03/03/12
No início dos anos 80 o Brasil não prestou atenção quando fontes militares de Buenos Aires disseram a um jornalista brasileiro que retomariam as Malvinas. Por conta de mais um episódio da nossa bonomia, em pouco tempo o Brasil se veria constrangido a precária neutralidade, assistindo um poder naval expressivo operar defronte ao seu extenso mar territorial e tendo de fazer apressadas interceptações de aeronaves estrangeiras. Felizmente, tudo ficou nisso.
O que mudou desde então? Nada. Trinta anos depois, os caças brasileiros são versões distintamente modernizadas dos Mirage e F-5 que interceptaram o Ilyushin cubano e o Vulcan inglês. Exceto nas contingências que viram improviso, por aqui se privilegiam as adaptações que geram acomodação. O setor de defesa não foge à regra brasílica de mudanças por gravidade, que no caso da aquisição do caça de última geração da FAB está em um inacreditável lugar nenhum.
Prevalece a crença na inexistência de ameaças externas e mesmo a aspiração ao Conselho de Segurança da ONU acontece sem consciência das correspondentes responsabilidades militares. Nem a riqueza do pré-sal sacode a inércia. E como a força de ação rápida do Exército acorrerá aos pontos do território nacional ameaçados por um inimigo convencional? A já limitada condição de o país projetar força no seu próprio espaço é impensável sem poder aéreo. Queremos vender um dos melhores aviões do mundo para resolver problemas urgentes de outros, mas abdicamos de ter o melhor avião possível para resolver os problemas prioritários da defesa do Brasil.
O Brasil está também diante de um dilema. Há tempos suas Forças Armadas são baseadas em capacidades, pois os ambientes fluídos da atualidade geram ameaças impossíveis de serem enfrentadas por estratégias de preparo e emprego apoiadas em inimigos ou hipóteses. Em contrapartida, faltam as condições para as Forças instrumentalizarem as respectivas capacidades. O país está num limiar além do qual suas pretensões de integração regional e relevância internacional serão frustradas pelo descompasso.
Como aconteceu nas Malvinas, vontades políticas autônomas podem, a qualquer momento, provocar conflitos prejudiciais ao interesse nacional e regional, e isso só pode ser evitado se o Brasil assumir as responsabilidades que dele se esperam .
Existem no mundo cerca de dez modelos de caças de superioridade aérea. O Brasil precisa escolher um, e já, pois a não disponibilidade de aeronaves de alto desempenho — uma condicionante do poder militar — pode ser interpretada como falta de compromisso da elite política com o projeto de protagonismo que ela anuncia para o país.
O tempo passou, mas a insensatez é mesma.

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