quarta-feira, março 07, 2012
Fora com a dignidade - HÉLIO SCHWARTSMAN
FOLHA DE SP - 07/03/12
SÃO PAULO - Acho ótimo que a Igreja Católica tenha escolhido a saúde pública como tema de sua campanha da fraternidade deste ano. Todas as burocracias -e o SUS não é uma exceção- têm a tendência de acomodar-se e, se não as sacudirmos de vez em quando, caem na abulia.
É bom que a igreja use seu poder de mobilização para cobrar melhorias.
Tenho dúvidas, porém, de que o foco das ações deva ser o combate ao que dom Odilo Pedro cardeal Scherer, em entrevista a Cláudia Colucci, chamou de terceirização e comercialização da saúde. É verdade que colocar um preço em procedimentos médicos nem sempre leva ao melhor dos desfechos, mas é igualmente claro que consultas, cirurgias e drogas têm custos que precisam ser gerenciados. Ignorar as leis de mercado, como parece sugerir dom Odilo, provavelmente levaria o sistema ao colapso, prejudicando ainda mais os pobres.
Minha discordância maior, porém, é no terreno da bioética. Para o religioso, é a "dignidade do ser humano" que deve servir como critério moral na tomada de decisões relativas a vida e morte. Fazendo eco às ideias da filósofa norte-americana Ruth Macklin, penso que o conceito de dignidade é totalmente inútil em bioética.
O problema com a dignidade é que ela é subjetiva demais. A pluralidade de crenças e preferências do ser humano é tamanha que o termo pode significar qualquer coisa, desde noções banais, como não humilhar desnecessariamente o paciente (forçando-o, por exemplo, a usar aqueles horríveis aventais vazados atrás), até a adesão profunda a um dogma religioso (testemunhas de Jeová não admitem transfusões de sangue).
Numa sociedade democrática, não podemos simplesmente apanhar uma dessas concepções e elevá-la a valor universal. E, se é para operar com todas as noções possíveis, então já não estamos falando de dignidade, mas, sim, de respeito à autonomia do paciente, conceito que a substitui sem perdas.
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