sexta-feira, março 16, 2012
Diferenças - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 16/03/12
A partir da declaração do senador Fernando Collor aconselhando a presidente Dilma a dar mais atenção ao Congresso, sugerindo que foi por não ter levado em conta esse relacionamento que ele foi levado ao impeachment, pode-se discutir a atual crise política da base governamental, da qual o ex-presidente faz parte.
As situações são bem diferentes, pois Collor foi cassado por acusações diretas de corrupção que não afetam até o momento a presidente Dilma, mas seu entorno.
O número de ministros demitidos ou que tiveram que se demitir por denúncias de corrupção é um recorde, mas não houve qualquer ligação direta das denúncias com a presidente, que, bem ou mal, se livrou desses ministros.
Esse recorde indica apenas a má qualidade da equipe inicial do governo Dilma, em grande parte escolhida por Lula, dentro de uma lógica de coalizão que aparentemente Dilma está rejeitando.
Mas só aparentemente, como veremos mais adiante.
Analisando-se o que aconteceu no episódio do mensalão, quando o então presidente Lula escapou de sofrer um processo de impeachment, constataremos que isso só aconteceu por que Lula tinha uma história política anterior que lhe conferia papel importante na transição para a democracia, principalmente à frente do Sindicato dos Metalúrgicos, e um partido, o PT, com força de mobilização a nível nacional, além do apoio dos sindicatos e de outros movimentos sociais como a UNE e o MST, apoios com que Collor não contou na época, embora tenha tentado mobilizar, sem êxito, a população a seu favor.
Dilma, embora não tenha um passado de atuação partidária, tem uma história de ação política e um partido, o mesmo PT, com capacidade de mobilização nacional cada vez mais forte.
Ela não tem história política nem experiência parlamentar para conseguir, sozinha, enfrentar tantos percalços na sua relação com a coalizão partidária e montou uma equipe muito fraca para a negociação política, mas tem apoios fundamentais, como o do ex-presidente Lula.
O que diferencia o caso de Collor do de Lula, e o de Lula do de Dilma no momento, é que Collor foi desde o início das denúncias acusado de ser o mentor de um grupo político que estava usando o governo para fazer negociatas.
Até que um elo banal, a compra de um Fiat Elba com dinheiro de um "fantasma" de PC Farias, fez a ligação entre o que era ilações com o plano concreto, justificando o processo de impeachment.
Mais adiante, quando o processo chegou ao Supremo Tribunal Federal, os juízes consideraram que as provas existentes, suficientes para apoiar a cassação do mandato presidencial pelo Congresso, num processo necessariamente político, no plano legal não justificavam uma condenação.
Já com Lula, embora seja muito difícil até hoje acreditar que ele não tivesse nada a ver com o esquema montado pelo então chefe de sua Casa Civil, José Dirceu, para literalmente comprar apoio ao governo no Congresso — de acordo com a denúncia do procuradorgeral da República acolhida pelo Supremo —, em nenhum momento houve a descoberta de um sinal concreto que explicitasse esse conhecimento.
O mais perto a que se chegou disso foi quando o publicitário Duda Mendonça admitiu na CPI que recebera parte do pagamento pela campanha presidencial de 2002 em um paraíso fiscal.
Se naquela ocasião a oposição quisesse forçar um processo de impeachment contra o presidente Lula, teria as condições necessárias de ligálo ao dinheiro ilegal que financiara sua campanha.
De qualquer maneira, não houve essa ligação formal, muito porque as forças sociais e partidárias que ainda o apoiavam eram suficientes para impor à oposição o receio de que uma crise de graves proporções poderia ser desencadeada caso o presidente fosse atingido.
Sem contar que Lula, embora tenha perdido grande parte de sua popularidade, manteve-a em boa medida, e a economia estava razoavelmente bem, enquanto, no tempo de Collor, a popularidade deste estava declinante, e tínhamos uma crise econômica que não animava a população a manter o apoio ao presidente.
A situação presente da presidente Dilma é bastante diferente.
Ela se mantém popular apesar da mediocridade de seu governo, muito pela situação da economia, mas também porque está conseguindo, meio aos trancos e barrancos, transformar seus fracassos em sucessos na percepção popular.
De todos os ministros defenestrados de seu governo — nove ao todo, pelos mais diversos motivos, principalmente corrupção —, somente eles ou seus partidos políticos saíram prejudicados, com Dilma surgindo indevidamente como quem está tentando mudar a situação recebida.
Com o agravante de que nenhum deles teve qualquer processo contra si.
É difícil para a maioria fazer a ligação de causa e efeito: quem escolheu os ministros foi Dilma, mesmo quando levada a isso por Lula, e ela apenas aparenta estar mudando de atitude em relação à sua base partidária.
Na verdade, ela quer manter o apoio de 80% do Congresso, uma coalizão montada pelo ex-presidente Lula para elegê-la e, mais que isso, protegê-la no Congresso, e nada fez para mudar a estrutura de seu governo.
O máximo que faz é escolher nomes que sejam independentes dos partidos a que pertencem, estimulando relações políticas distorcidas e alimentando sua conhecida prepotência.
Se quisesse mesmo mudar a natureza fisiológica do apoio, reorganizaria sua base partidária com fundamento em um programa de governo coerente.
Sem o apoio do ex-presidente Lula, que é o cimento dessa coalizão improvável, dificilmente a presidente Dilma fará um governo sem crises políticas.
Mas até o momento não há nada que justifique um impeachment político.
Apenas incompetência, de que a confusão sobre a aprovação de venda de bebidas alcoólicas na Copa do Mundo é apenas o exemplo mais recente até quando encerrava esta coluna.
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