terça-feira, março 20, 2012

Agenda azul - XICO GRAZIANO


O Estado de S.Paulo - 20/03/12


O 6.º Fórum Mundial da Água, realizado de 12 a 17 deste mês em Marselha (França), não deixou margem para dúvidas: ou se investe decididamente na proteção dos recursos hídricos do planeta ou a civilização humana padecerá de terrível escassez. Que já se manifesta.

Relatório da ONU apresentado no encontro aponta a irrigação agrícola como séria questão a ser enfrentada. Primeiro, porque tal técnica demanda muita água, cerca de 70% do total; segundo, dada a dramática necessidade de alimentar uma população que deverá atingir 9 bilhões de pessoas em 2050. Conforme as revisadas, e mais precisas, estimativas da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), a produção de comida precisa crescer 60% nesse período, e isso só parece possível aumentando as áreas irrigadas no campo.

Resultado: vai aumentar a necessidade de água para as lavouras, em especial nos áridos países do Oriente Médio, que, aliás, importam cada vez mais alimentos. Mudanças climáticas devem alterar o padrão das chuvas, causando secas mais prolongadas e derretimento de geleiras. Tudo conspira contra o abastecimento. Estudos indicam que sem decididas políticas de manejo de água 40% da população mundial viverá em áreas de alto estresse hídrico até 2050.

Estimativas de longo prazo, claro, sempre carregam muita incerteza. A terrível seca, porém, que afetou, em 2011, as grandes planícies norte-americanas, prejudicando a irrigação e restringindo a água para consumo humano, pareceu um aviso recente dos céus. No Brasil, novamente o fenômeno climático La Niña provocou forte estiagem, derrubando a safra e arrancando os cabelos dos agricultores sulinos. Dentre as dúvidas, uma certeza: preservar os mananciais d'água será estratégico nas políticas sustentáveis do futuro.

A situação anda preocupante. Cerca de 25% das áreas agrícolas mundiais se degradam, de forma mais ou menos severa, em decorrência da má, e intensiva, agricultura. Esta depaupera os recursos hídricos, reduz a fertilidade dos solos, aumenta a erosão. A contínua irrigação tem levado à salinização dos solos em certos locais, fazendo decair a produtividade agrícola. Lençóis freáticos, bombeados para a superfície, aprofundam-se, prejudicando o enraizamento das plantas; o desmatamento e os ventos causam desertificação. Na Espanha, na Austrália, nos Estados Unidos, na África, por onde se procura se percebem ameaças à segurança alimentar.

Olhos enviesados atribuem à agricultura o papel de vilã na equação mundial da água. Algo injusto. Acontece que, mesmo gastadora, a prática da irrigação rural pouco compromete a qualidade da água, exceto quando esta se contamina com resíduos de agrotóxicos persistentes, comuns no passado, mas pouco utilizados hoje em dia. Depois de regar as plantas, via aspersão ou gotejamento, o precioso líquido se percola pelas entranhas da terra, corre para os riachos ou se evapora, cumprindo o ciclo natural da água.

No uso urbano, ao contrário, o abastecimento das residências polui organicamente as águas nos vasos sanitários, na pia da cozinha e na lavanderia ela se mistura ainda com detergentes e saponáceos. Já nas unidades industriais, as águas utilizadas contaminam-se com solventes e demais produtos químicos, que lhes roubam a vida. Nas cidades, que ninguém duvide, a demanda e a poluição são tremendas.

O Fórum Mundial da Água de 2012 contou, entre as 180 delegações participantes, com a presença de uma orgulhosa comitiva paulista. Ela representava o bem-sucedido Pacto das Águas São Paulo, um programa que nasceu há três anos às margens do Rio Jacaré-Pepira, no município de Bocaina. Ali, tendo à frente o então governador José Serra, centenas de prefeitos e outras autoridades municipais se comprometeram a aderir ao Consenso das Águas de Istambul (Turquia), documento histórico que define tarefas na gestão descentralizada dos recursos hídricos.

Esse azulado movimento ambientalista, organizado pela Secretaria do Meio Ambiente do Estado (www.ambiente.sp.gov.br/pactodasaguas), cresceu sem parar, ultrapassando as expectativas iniciais. Dentre os 1.070 signatários, oriundos de 49 países, do Consenso das Águas de Istambul, 595 adesões originam-se nos municípios paulistas. Notável. O Pacto das Águas São Paulo configura o maior programa já realizado no Brasil em defesa dos recursos hídricos, com foco na gestão local, dentro das bacias hidrográficas. Lição de casa bem feita.

Em fins do ano passado, o governo paulista promoveu uma avaliação do desempenho dos municípios, premiando os primeiros colocados. Entre os de maior população, 94 municípios cumpriram as metas estabelecidas no programa em defesa das águas, capitaneados por Sorocaba, Tupã, Paulínia, Itapira e Batatais. Já entre os pequenos municípios, abaixo de 20 mil habitantes, 135 deles mostraram os melhores resultados, liderados por Regente Feijó, Bilac, Bocaina, Lindoia e Santo Antônio do Jardim. Podem tirar o chapéu para eles.

Por todo o Estado de São Paulo corredores ecológicos se formam sinuosamente, acompanhando os córregos. A recuperação dessa mata, chamada ciliar, como se os olhos abrigassem, garante a plena função ambiental da biodiversidade, promovendo a junção do verde (vegetação) com o azul (água). Na beirada dos riachos, no entorno das nascentes, ao redor dos lagos, nessas paragens a vida selvagem floresce, a natureza torna-se exuberante. Água é vida.

Neste próximo dia 22 de março se comemora o Dia Mundial da Água. Mais do que discursos, gestos de simpatia e lembranças nos bancos escolares, esperam-se ações concretas - coletivas e individuais - em defesa da agenda azul.

Água potável, mundo sadio.

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