domingo, fevereiro 26, 2012

Vida cigana - MÔNICA BERGAMO

FOLHA DE SP - 26/02/12
A nova estrela do MMA festeja a vitória mundial nos pesos-pesados. E alerta que o esporte precisa de apoio para florescer ainda mais no Brasil, onde jovens lutadores "têm empregos extras para sustentar a família"

Claudia Leitte atrasou um show, em novembro, para assistir à luta em que o brasileiro Junior dos Santos, o Cigano, sagrou-se campeão mundial de pesos-pesados do UFC, principal torneio de MMA (artes marciais mistas). Quando o encontrou, dias depois, em um programa de TV, contou isso a ele e incluiu seu apelido numa música que cantou na atração.

De Ivete Sangalo, no alto de um trio elétrico, semanas depois, ouviu "alguns conselhos, como se ela fosse minha chegada. Disse para eu tomar cuidado na vida, cuidar de mim mesmo e da família. Foi bom ouvir isso de alguém que eu admiro", conta ao repórter Diógenes Campanha.

O assédio de anônimos e famosos aumentou desde que Junior Cigano conquistou o cinturão, na luta que também marcou o início das transmissões do MMA pela TV Globo. Ele passou a formar a trinca de campeões brasileiros, com Anderson Silva (peso-médio) e José Aldo (peso-pena).

Virou hit, na TV e na internet, a narração em que Galvão Bueno, aos gritos, contava os golpes com que nocauteou o rival Cain Velasquez: "Mão esquerda! Um, dois, três, quatro, bate! 'Cabô', 'cabô', acaboooou!"

"Foi uma segunda emoção", diz ele, que assistiu à narração no carro, quando voltou de Los Angeles, local do combate. "E ele falou 'Júnior Cigano do Brasil'. A única pessoa pra quem ele falava isso era o Ayrton Senna, o Ayrton Senna do Brasil. Foi uma coisa muito forte que veio do Galvão, um dos maiores, ou o maior, narrador de todos os tempos."

Na loja da grife Pretorian, seu patrocinador, na rua Oscar Freire, Cigano, 28, tira medidas para roupas. O funcionário passa a fita em seu bíceps, que, relaxado, tem 43 cm. Brinca ao fazer movimentos para contrair o músculo. "Vai pra lá? Vai pra cá? Troca lâmpada?" Mais cinco centímetros. Com 1,92 m e 110 kg, experimenta uma camisa GG. "Essa está ótima, não está 'palhacenta'." A de tamanho G tinha ficado muito justa.

Ele exibe um escapulário de ouro português, com Jesus, Nossa Senhora do Carmo e uma Nossa Senhora Aparecida com manto de safiras azuis e detalhes de brilhantes. A mulher, Vilsana Almeida, 42, tem um igual. "Mandei fazer esses, porque outros têm correntes bem fininhas", conta ela. "E tudo o que ele mete a mão é com força, acaba partindo."

Devoto de Nossa Senhora, Cigano deve uma visita à cidade de Aparecida (SP) para pagar promessa feita antes da luta com Velásquez. Não para ganhar o cinturão, mas para curar uma lesão sofrida no joelho, dez dias antes do combate. "Foi um momento muito frustrante. Eu pedi a Deus e à Nossa Senhora para ter a oportunidade de pelo menos subir lá, porque eu já tinha treinado três meses."

"Não interessava o resultado. Eu queria mesmo era a chance de mostrar por que eu merecia estar lá." Recuperou-se em tempo e, "incrível, não senti nada no joelho na luta".

Agenda sempre à mão, Vilsana calcula que, "com médico e tudo", gastaram "mais de R$ 100 mil" na preparação para o combate. Convidou e alojou em Salvador, onde mora, profissionais de diversas modalidades de luta, brasileiros e estrangeiros, para treinar com eles. E um preparador físico. "Você tem que pagá-los, colocar empregada para fazer comida para eles, dar carro. É caro, é caro", diz Cigano, que afirma que "o MMA ainda não dá aquela dinheirama toda". Agradece o patrocinador, que "me ajudou antes mesmo de eu disputar o cinturão."

Por esse motivo, vê com ressalvas a recente entrada de empresários como Eike Batista, Nizan Guanaes e o ex-jogador Ronaldo (que gerencia a carreira de Anderson Silva) no MMA. Acha que falta apoio a lutadores iniciantes. "Muitos ainda têm empregos extras para poder sustentar a família. É preciso, tipo, acreditar, entendeu?"

"Quando o negócio está bom, é fácil chegar e dizer: "Ah, eu tô junto". Quero ver estar junto no início, entendeu? É disso que a gente precisa. Que acredite, invista e depois colha os frutos. O pessoal chega depois que tudo aconteceu e quer dizer que está junto. Ainda tem muito o que melhorar, mas vai acontecer. Já está acontecendo."

Apesar da exposição, não tem assessor nem treina para dar entrevistas, como centenas de estrelas. "Por enquanto vou levando meio nas 'toras'. Mas só mostro quem eu sou. Se eu usar uma máscara, uma hora ela cai, entendeu?." A mulher, Vilsana, largou a arquitetura para cuidar de sua carreira. "É muita coisa: agenda, treinos, alimentação, me meto em tudo. Negocio com patrocinadores, convido os treinadores." Ela evita sair em fotos. Topou apenas o clique com o escapulário, que ilustra esta página. "Falo que sou o universo, que é escuro, e ele é o sol, que brilha. Eu não tenho limite, mas é ele que dá a luz." Cigano retribui: "É a mulher mais inteligente que já conheci. Foi o alicerce da minha vida. Sem ela, com certeza, eu não estaria aqui. Foi um anjo, é um anjo para mim."

Eles se conheceram há nove anos num restaurante em Salvador. Ela cliente, ele garçom, um dos primeiros empregos que teve ao desembarcar na Bahia, vindo de Caçador (SC), com R$ 80 no bolso. Junior deixou a cidade de 71 mil habitantes, no oeste catarinense, aos 18 anos, com ensino médio incompleto, para "tentar alguma coisa".

Mais velho dos três filhos de uma faxineira com um mecânico (que já tinha outros dois filhos), ele tinha oito anos quando o pai saiu de casa. "Às vezes eu chegava em casa e ela estava chorando. Tinha recebido o salário e mal dava para pagar as compras que tinha feito fiado no mercado." Nos momentos de maior necessidade, comia farinha de milho cozida com água. Aos 12 anos, vendeu picolés na rua. O primeiro emprego "fichado, com carteira assinada", foi aos 14, entregando jornais. Também colheu frutas e carregou caminhões de carga.

"Olha minhas gordurinhas, viu?", diz, depois de posar sem camisa. Ele depila o peito para os pelos "não ficarem enrolados". Fora isso, diz que seu único ritual de beleza é raspar a cabeça, hábito que iniciou aos 22, quando começou a ficar careca.

Antes, exibia cabeleira até o ombro, que amarrava quando começou a treinar jiu-jítsu para perder peso. "E os colegas achavam parecido com um cigano de uma novela da época. Eu não gostava, aí é que o apelido pegou mesmo. Depois fiquei tão acostumado que acabei gostando." Perdeu os cabelos, mas ficou com o nome que, anos mais tarde, levaria para o ringue.

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