quinta-feira, fevereiro 23, 2012

Uma ideia para o Fundo Soberano - NATHAN BLANCHE


O Estado de S.Paulo - 23/02/12


Vários países, com destaque para os grandes produtores de commodities, criaram fundos soberanos visando a administrar os excedentes de influxo cambial, o que evita grandes volatilidades na formação de suas taxas de câmbio, entre outros benefícios e objetivos. Nessa linha, o Fundo Soberano do Brasil (FSB) foi criado em dezembro de 2008, com um aporte inicial de R$ 14,2 bilhões. Em linhas gerais, os recursos do FSB são aplicados integralmente em cotas do Fundo Fiscal de Investimentos e Estabilização, que tem 86,5% aplicados em renda variável (grande parte em ações da Petrobrás) e 13,5% em renda fixa, de acordo com o último relatório disponível. Mas a rentabilidade do fundo tem deixado a desejar. Nos últimos 12 meses teve rendimento negativo em 1,9%.

Uma proposta interessante seria transferir para o FSB parte substancial das reservas internacionais do País, que chegam hoje a US$ 350 bilhões e que em três ou quatro anos devem atingir US$ 500 bilhões, além de direcionar parte do novo influxo esperado de dólares diretamente para o fundo, fazendo com que ele se torne um instrumento estratégico anticíclico de médio e de longo prazos. Enquanto isso, o Banco Central (BC) manteria o papel de mitigar a volatilidade do câmbio no curto prazo.

Para isso, primeiro, o fundo teria de buscar operações mais rentáveis. Uma possibilidade seria usar esses recursos para fornecer linhas de crédito para exportação e importação por meio do sistema financeiro autorizado. Um dos possíveis usos seria o crédito para projetos de infraestrutura de médio e longo prazos, além de crédito para o próprio pré-sal. Vale lembrar que, hoje, grande parte do financiamento do comércio exterior é tomada fora do País, pela baixa disponibilidade de poupança interna.

Essa estratégia contribuiria para resolver alguns problemas, como o do custo de manutenção das reservas internacionais do Brasil, que é elevado, considerando o diferencial de juros entre os papéis brasileiros e norte-americanos, dado que a maioria dos recursos está aplicada em Treasuries. Essa diferença de juros é de cerca de 7% ao ano, o que representa cerca de US$ 25 bilhões ao ano. E, mesmo com esse alto custo, o aumento das reservas não tem gerado benefícios em termos de redução de volatilidade e prêmio de risco. Em termos de prêmio de risco, a relação custo-benefício de carregar essas reservas é negativa, pois desde o 1.º semestre de 2009, quando as reservas atingiram US$ 200 bilhões, o CDS Brasil não tem melhorado.

O argumento de que o Brasil tem baixo nível de reservas em relação ao PIB (15%) e de que é necessário continuar aumentando esse colchão para fazer frente a momentos de estresse no mercado cambial não se mostra verdadeiro. Vale lembrar que, na crise de 2008, o uso das reservas foi reduzido (cerca de US$ 14 bilhões), uma vez que o BC preferiu, naquele momento, utilizar outros instrumentos, como os derivativos, que se mostraram eficazes. O mesmo ocorreu em setembro de 2011, com a piora da crise europeia, quando o BC atuou unicamente no mercado futuro. Nesta linha, se não há benefícios adicionais em termos de prêmio de risco e volatilidade e, além disso, há instrumentos eficientes para administrar momentos de maior tensão no mercado cambial, não há por que manter um volume tão alto de reservas a um custo tão elevado.

A expectativa é de elevado influxo cambial nos próximos anos, já que a extração e a exportação de recursos naturais tendem a crescer. Sabendo que as autoridades não permitirão a valorização excessiva do real, deve haver um crescimento ainda mais expressivo das reservas internacionais. Em linhas gerais, o Brasil não se pode dar ao luxo de continuar engolindo um caminhão de dólares com tanta ineficiência no uso das reservas e alto custo fiscal. Esses recursos precisam ser mais bem aproveitados, inclusive facilitando o próprio sistema de crédito ao comércio exterior. Dada a alta necessidade do Brasil em importar poupança, o correto seria aproveitar melhor essa janela de oportunidade em que o mundo em crise ainda está disposto a aportar recursos no País, alocando-o da melhor maneira possível.

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