sábado, fevereiro 25, 2012
Troca - SÉRGIO PUGLIESE
O GLOBO - 25/02/12
Guarda italiano suspende multa de lambreta rubro-negra para ter reforço carioca no time
FAENZA, Itália
Longe das Lei Secas e Choques de Ordem que brotam em cada esquina do Rio, o carioca Rodrigo Duque Estrada, após passear pelas belas ruas de Faenza, pequena cidade ao norte da Itália, onde mora há oito anos, estacionou sua lambretinha vermelha e preta para caminhar e pegar sol no Parque Bucci. Trabalha com gastronomia e eventos no badalado Osteria della Sghisa, dorme pouco e precisava relaxar. Mas alguns metros depois viu um policial, cara de mau, aproximar-se e anotar sua placa. Voltou correndo.
- Oi! Bom dia, senhor! Por que está me multando?
- Porque aqui não é permitido estacionar scooters e motos, só bicicletas. Não viu a sinalização alertando? - respondeu, sem disfarçar a impaciência.
O aviso realmente era gigante e a lambreta descansava milimetricamente sob a placa, ridículo.
- Impressionante como não vi.....distração total - desculpou-se, com um sorriso amarelo.
- Mas um painel deste tamanho? É impossível não vê-lo! - resmungou o guarda Ivan, enquanto prosseguia as anotações.
Realmente era incontestável, indefensável, inexplicável.......
- Só posso pedir desculpas - admitiu, baixinho.
A cara triste do menino do Rio, certamente desenvolvida em mergulhos teatrais, no Tablado, levou o policial a erguer uma das sobrancelhas e observá-lo.
- De onde é?
De onde mais poderia ser? Moreno, recém-chegado de uma temporada de surfe na costa francesa, malhadão, sorriso fácil, rato de praia, neto de Dona Inês e, acima de tudo, bom de lábia!
- Sono brasiliano! Vengo da Rio de Janeiro - respondeu, orgulhoso, com sotaque ítalo-carioca.
Quando ouviu "Rio de Janeiro" a sobrancelha erguida deu lugar a um sorrisinho malicioso, reservado aos grandes estrategistas.
- Rio! Praias, belas mulheres e.....futebol! Joga futebol?
Peraí! É até falta de respeito perguntar isso para um carioca da gema, cria da escolinha do Flamengo e ídolo no Maconhão, tradicional campo de soçaite, na saída do Túnel Rebouças. Calma, Dona Inês, o apelido do campo é esse, fazer o quê? Dona Inês Estrada é a avó coruja, fã de carteirinha do moleque. Ela lembrou que o neto também era craque em piruetas e faltava pescoço para guardar tantas medalhas conquistadas na ginástica olímpica do Mengão.
-- O futebol é minha paixão e me considero bom de bola, sim - respondeu com a inconfundível marra carioca, ao estilo baixinho Romário.
O policial respirou aliviado com a revelação e guardou o bloquinho no bolso.
- Jura? Que ótimo! E por qual time torce?
Aí, virou bagunça. Ivan deu um braço e Rodrigo abocanhou o corpo todo! Olhos arregalados, como em transe, sacudiu os ombros do guardinha e encarou-o firme antes de gritar, relembrando os velhos tempos de Raça Rubro Negra, no Maracanã:
- Tifo per il Flamengo!!!! Flamengo fino allá fine!!!! (Torço pelo Flamengo!! Flamengo até morrer!!!).
E emendou.
- Jogo na praia, em salão, cimento, terra batida, paralelepípedo, pé-de-moleque, ladeira.....
Um jogador completo, pensou o fominha Ivan, que construíra um campinho nos fundos de sua casa. E um brasileiro bom de bola por lá, além de levar fantasia às peladas de sábado, ainda colocaria os adversários no bolso. Seria a salvação da lavoura! Então, foi a vez dele, olho no olho, balançar os ombros de Rodrigo e propor, entusiasmado.
- Cavolo! Allora ti lascio il mio numero e vieni a giocare con noi! La multa lasciamo perdere, facciamo finta di niente! L´unica cosa che devi promettere è di venire a giocare nella mia squadra! Ci conto!!! (Puxa!!!! Então deixo o meu número e vem jogar conosco! A multa deixamos para lá!! A única coisa que precisa me prometer é vir jogar no meu time! Te espero!).
Rodrigo carimbou a proposta ali mesmo. Prometeu ficar de olho vivo nas placas e virar garoto propaganda das leis de trânsito. Desculpou-se pela infração e partiu.
Feliz, o guarda Ivan observou sua nova contratação sumir em direção ao parque. Antes de entrar na viatura, retirou o bloquinho do bolso e arrancou a página da multa. Com um sorriso maroto, transformou-a numa bolinha e a jogou para o alto. Na sequência, matou no peito, fez três embaixadinhas e com um chute preciso acertou a pelota de papel dentro da lata de lixo.
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