quinta-feira, fevereiro 16, 2012

Teatro de fevereiro - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 16/02/12


A maior parte da apresentação de ontem do Ministério da Fazenda se encaixa na categoria de campanha publicitária. Das mal feitas. A Fazenda tem que ter mais sobriedade, falar por números, dados e conceitos precisos sobre os temas que estão entregues à sua pasta. De concreto: mesmo com o contingenciamento o governo vai gastar mais do que no ano passado. A conta só fecha se o contribuinte pagar mais.

A arrecadação tem aumentado todos os anos muito além do crescimento do PIB e é por isso que, no ano passado, por exemplo, a carga tributária cresceu 1,1 p.p. para 35,3% do PIB, segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT).

Os números apresentados pelo Ministério da Fazenda na parte mais substantiva da apresentação indicam que a carga tributária terá que subir de novo. Eles estimam que a carga tributária federal - ou seja, apenas os impostos federais - sairá de 19,8% para 20,2% do PIB este ano.

Nos últimos anos o governo tem conseguido fechar suas contas apenas pelo aumento da arrecadação. Em 2010, precisou também dos artifícios contábeis mais grosseiros. Ainda assim, ficou abaixo do superávit primário pretendido. Em 2011, a meta foi cumprida sem truques, mas a arrecadação deu um enorme salto.

O volume de impostos pagos pelos brasileiros terá que continuar crescendo porque os gastos reais do governo, descontando-se a inflação, vão subir 5,9% sobre 2011, mesmo com as despesas que foram congeladas ontem. Mantega anunciou gastos de R$ 809 bilhões contra R$ 724 bilhões em 2011. O governo terá que gastar R$ 23 bilhões a mais com a elevação do salário mínimo e mais as desonerações para a indústria.

O economista Felipe Salto, da Tendências, acredita que o governo terá que reduzir o superávit primário ao longo do ano porque será surpreendido com uma arrecadação menor do que imaginava, por causa do esfriamento da economia. O economista Samuel Pessoa, do Ibre, também acha que o governo não atingirá o superávit primário de 3,1%. Ficará em 2,6%.

Todo ano o governo calcula um aumento de gastos, projeta um PIB maior do que ocorrerá. No ano passado, foi projetado inicialmente 5%, reduzida a projeção para 4,5%, e os dados finais devem ficar abaixo de 3%. O Congresso estima para cima as receitas. Ou seja, governo e Congresso criam vento. Depois vem o teatro de fevereiro em que o governo "contingencia" uma parte da receita superestimada. Eles criam e cortam vento e continuam chamando de "corte de despesas".

No ano passado, por exemplo, houve o mesmo teatro. E qual é a conclusão final? O economista Fábio Giambiagi contabilizou que o gasto total em 2011 aumentou 5,4% em termos reais. Tem sido assim há 20 anos. Não é peculiaridade do atual governo.

Uma parte da apresentação do Ministério da Fazenda sustenta que o governo fez "contenção de gastos de custeio". Não é fato. Eles cresceram em 4,8%, descontando-se a inflação. Foi com aumentos a cada ano que o país saiu de 26% de carga tributária para 35% em 15 anos. E, mesmo assim, o ano terminou com 2,6% de déficit nominal. Na previsão da Fazenda o déficit cairá para 1,2% em 2012 e caminhará em direção ao déficit zero até 2014.

Quando chegou ao Congresso a informação de que o governo tinha cortado emenda de parlamentares, houve reação na base parlamentar, mas o líder do PT na Câmara, Jilmar Tatto, foi sincero: "O governo sempre faz isso e depois acaba liberando uma parte. O contingenciamento é só para fazer um ajuste no Orçamento. Vejo com naturalidade. Todo ano é assim." O experiente deputado Eduardo Cunha também considerou normal: "Quem tem um pouquinho de experiência não se assusta com isso. Ninguém duvida que isso será reposto."

De tanto fazer mais do mesmo teatro o governo não convence ninguém. Uma administração que tem 38 ministérios e que não tem qualquer projeto de reforma não vai fazer ajuste algum. O quadro fiscal dos países em crise piorou tanto que o governo brasileiro gosta de proclamar que ele tem uma excelente situação. Não se deve comparar com países que enfrentam crise. O Brasil tem que ter um déficit nominal zero e fazer reformas para gastar menos e melhor porque o país não está em crise. Em momentos de calma é que se arruma a casa.

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