sexta-feira, fevereiro 10, 2012
Sinais trocados e convergentes - MARIA CRISTINA FERNANDES
Valor Econômico - 10/02/12
O governo do PT faz privatização de ágio recorde e o líder de um dos mais longos motins da história é do PSDB. Petistas renegam o termo privatização, da mesma maneira que tucanos sustentam que a principal liderança da paralisação dos policiais militares de Salvador, Marco Prisco, do PSDB, só tem a ficha de filiação.
A privatização dos três aeroportos responsáveis por 30% do movimento aéreo do país tem consequências mais claras para o debate político que o motim baiano.
Nenhum tucano vai sair em defesa de Prisco porque greve policial é inconstitucional. Se é por meio da polícia que o Estado exerce o monopólio da força, seus integrantes, ainda que tenham o direito, como qualquer trabalhador, de fazer reivindicações, ameaçam a segurança do cidadão porque ao cruzarem os braços os deixam mais próximos de suas armas.
Convicções estatizantes não elegem presidente
Prisco já passou por PCdoB e PSOL antes de aportar no PSDB por conveniências regionais e eleitorais. Os tucanos dificilmente teriam como capitalizar um movimento ilegal e do qual já foram vítimas em São Paulo e Minas. Mas sobrevive como problema à espera de um partido a conciliação entre pisos nacionais para o funcionalismo público e o gargalo das finanças estaduais. O governador Jaques Wagner (PT) mostrou que, apesar dessa bandeira ter ajudado a elegê-lo, não é só o PSDB que custa a honrá-la.
Se o motim baiano mostrou que petistas e tucanos convergem na dificuldade de lidar com funções essenciais do Estado, como a segurança pública, a presidente Dilma revelou a grande comunhão entre os dois partidos quando o tema é a alienação de serviços públicos à iniciativa privada.
É do jogo que petistas se contorçam para tentar diferenciar a privatização dos aeroportos daquelas feitas no governo Fernando Henrique Cardoso, mas não faz sentido dizer que um faz concessões enquanto o outro privatiza.
Telefonia, ferrovias e energia elétrica também são serviços públicos que foram concedidos à iniciativa privada por meio de leilões. Todos tiveram participação de fundo de pensão e BNDES. As privatizações do PT preservaram uma fatia maior com o Estado, o que, por si só, não lhes garante selo de qualidade.
Ônibus municipais são tradicionais concessões à iniciativa privada em governos de quaisquer colorações. Ninguém questiona que assim o seja, apesar de uma pesquisa do Ipea ter apurado que 50 milhões de brasileiros não usam transporte coletivo regularmente porque não podem pagar tarifa.
Talvez não seja coincidência que um dos últimos prefeitos a tentar confrontar os concessionários municipais de transporte, Luiza Erundina, ter, há muito, deixado o PT.
Useiro e vezeiro em propagar estelionato eleitoral e privatarias tucanas, é natural que o PT tema perder discurso e eleitor.
Mas se algum voto os petistas ganharam em cima das privatizações tucanas, é provável que isso tenha ocorrido menos em função das convicções estatizantes do eleitorado nacional do que da percepção de que a venda de patrimônio público não trouxe os benefícios esperados.
Hoje o país tem mais celular que gente, o que não significa que todos os brasileiros tenham um, mas serviços de defesa do consumidor calculam que a assinatura básica da telefonia teve um aumento de mais de 100% acima da inflação desde a privatização.
Na energia, o governo petista tentou reverter a alta de tarifas decorrente das privatizações com leilões vencidos não pelo maior ágio, mas pela empresa que se dispusesse a cobrar menos do consumidor. Nas rodovias também se buscou o mesmo modelo, mas um e outro falharam em baixar tarifas.
Um motivo possível para isso é que a maior parte dessas atividades é monopólio natural, em que é difícil estabelecer concorrência.
Sem disputa de mercado, aumenta a responsabilidade da regulação. Esvaziadas nos governos petistas, é de se esperar, agora que têm uma privatização para chamar de sua, que as agências reguladoras sejam fortalecidas.
Se a regulação tem sido inconstante, a participação do consumidor na gestão das concessionárias de serviços públicos tem sido desprezada por governos de ambas as colorações, a despeito de a Lei das Concessões exigi-la.
Em audiência pública recente no Congresso, o presidente de uma confederação de usuários de transportes informou que nas concessões municipais de ônibus apenas 1% das cidades têm comissões de gestão que reúnem governo, empresas e consumidores.
Dados o valor do ágio pago, a natureza monopolística do serviço aeroportuário, a regulação incipiente e a fraca participação dos usuários na gestão, é de se esperar que eficiência e tarifas não sigam o mesmo compasso.
Pelas idas e vindas do processo, o governo parece ter tomado a decisão de privatizar por ter ficado sem saída. O número de passageiros praticamente duplicou na era petista, e no ano passado mais brasileiros usaram avião do que ônibus para viagens entre Estados.
Estudo do Ipea mostrava desde o início do ano passado que não seria possível concluir os aeroportos das cidades-sede da Copa com o aporte de investimentos que se vinha fazendo no setor. E a Infraero se queixava de que as amarras do setor público não permitiam agilizá-los.
Um dos contorcionismos produzidos por um ministro de Estado foi o de que a privatização petista, ao contrário da tucana, não serviria para pagar dívida, mas para fazer face aos investimentos necessários à infraestrutura aeroportuária. Não há garantia, no entanto, de que os recursos do fundo de aviação, que acolherá os R$ 24,5 bilhões arrecadados, não venham a ser contingenciados para fazer superávit assim como foram os do fundo de telecomunicações.
No breve comentário sobre o leilão dos aeroportos, a presidente Dilma Rousseff limitou-se a dizer que agora caberia ao governo zelar pela eficiência da administração privada. E há de torcer também para que a renda da população continue crescendo para abarcar o aumento das tarifas.
Só não dá pra saber que discurso terá o PT se o partido for mais capaz de colocar aeroportos para funcionar do que garantir que o funcionalismo preste um bom serviço público.
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