REVISTA VEJA
Rodrigo Rangel e Hugo Marques
A moça esguia de cabelos pretos levemente desgrenhados, com uma maquiagem quase imperceptível e vestida discretamente não chega a chamar a atenção da vizinhança elegante dos Jardins, em São Paulo, onde ela trabalha. A advogada Christiane Araújo de Oliveira não é uma celebridade nem uma fugitiva, mas encarna simultaneamente as duas personagens desde que se descobriu que sua vida passada tem um lado obscuro. Em Brasília, ela foi protagonista de um tipo de enredo clássico, secular. A jovem discreta, religiosa e especialmente bela seduziu políticos e encantou o coração de altos figurões da República que retribuíram seus favores ajudando uma organização criminosa que desviou mais de 1 bilhão de reais dos cofres públicos. Sabe-se, agora, que ela usava seus dotes, sua simpatia e a intimidade que construiu com os poderosos para servir a um grupo de corruptos que conseguiu se instalar no seio do poder petista.
É esse passado recente que a jovem advogada quer esquecer. Foi sobre isso que Christiane contou detalhes a órgãos de investigação, mostrando como lobbies políticos prosperam graças à força de um pouco de charme e seus corolários mais picantes. VEJA teve acesso ao teor dos dois depoimentos que Christiane prestou, no fim de 2010, a investigadores do Ministério Público Federal e da Polícia Federal. Ambos foram gravados em vídeo, outro em áudio. Christiane dá detalhes de como usou de sua intimidade com homens fortes do governo federal para traficar interesses de um grupo de corruptos de Brasília e de seu antigo chefe Durval Barbosa, ex-secretário de Relações Institucionais do Distrito Federal. Ela também conta como, numa via de mão dupla, essas figuras da corte federal exploraram o canal aberto com Durval, homem-bomba que a qualquer tempo poderia, como fez, implodir o governo de José Roberto Arruda, até então do opositor DEM, e facilitar a conquista da administração local pelo PT e a desmoralização do partido adversário em nível nacional. Dos relatos de Christiane, cronologicamente contextualizados, saltam dois personagens de proa do governo de Lula: José Antonio Dias Toffoli - ex-advogado do PT que se tornou advogado-geral da União e depois ministro do Supremo Tribunal Federal pelas mãos do ex-presidente - e Gilberto Carvalho, chefe de gabinete de Lula e hoje ministro da Secretaria-Geral da Presidência.
Expoentes da nata do primeiro escalão e petistas fervorosos, Toffoli e Carvalho têm também em comum a formação religiosa. Toffoli mantém uma relação estável há anos, é católico e irmão de um padre. Carvalho é casado e foi seminarista. A jovem Christiane e suas artes não combinam com o perfil público de nenhum deles. Nascida em uma família humilde de Alagoas, Christiane, que é evangélica, se mudou para Brasília há pouco mais de dez anos com o objetivo de se formar em direito. O pai, Elói, é um pastor a quem os crédulos atribuem o dom de curar e ver o futuro. Ele se intitula "profeta", e os políticos formam sua clientela predileta. Foi através de um deles que Christiane conseguiu emprego no Congresso Nacional. Sentiu-se à vontade no ambiente e, em pouco tempo, contava com uma enorme rede de amizades. Em 2007, aceitou o convite para trabalhar no governo do Distrito Federal com um certo Durval Barbosa, o delegado aposentado e corrupto contumaz que ficaria famoso, pouco depois, ao dar publicidade às cenas degradantes que levaram à cadeia o governador Arruda e à lona seus asseclas.
Sob as ordens de Durval, Christiane se transformou numa ferramenta a serviço da máfia brasiliense. Durval viu nela uma rara oportunidade de estender suas falcatruas para o nível federal. Os relatos de Christiane são o testemunho desse salto. Ela contou aos promotores e policiais que mantinha encontros secretos com Toffoli. Christiane afirma que, em um dos encontros, levou a Toffoli gravações do acervo de Durval Barbosa. A amostra, que Durval queria fazer chegar ao governo do PT, era uma forma de demonstrar seu potencial de deflagrar um escândalo capaz de varrer a oposição nas eleições de 2010. Há três semanas, VEJA publicou entrevista com Durval em que ele próprio disse ter enviado as gravações a Toffoli. O ministro negou a VEJA ter recebido a encomenda. Em seus depoimentos às autoridades, Christiane reafirma ter feito a entrega do material a Toffoli. Ela pode estar mentindo? Talvez. Toffoli pode ter recebido o pacote e o jogado fora sem se interessar pelo seu conteúdo. Talvez. Mas o que se sabe com certeza é que o objetivo de Durval foi atingido.
É especialmente perturbadora a revelação feita por Christiane sobre o local onde, segundo ela, se deram os encontros - um apartamento em que Durval armazenava caixas de dinheiro usado para fazer pagamentos a deputados distritais e que serviu de estúdio para vídeos incriminatórios. Os encontros de Christiane com os poderosos podem também ter sido gravados? "Essa é uma possibilidade que deve ser considerada", disse a VEJA, sob a condição de anonimato, um dos responsáveis pela apuração. É apavorante a hipótese de que um ministro do STF esteja refém de chantagens de mafiosos e corruptos. Christiane tinha acesso livre à Advocacia-Geral da União quando Toffoli comandava o órgão. "Levei uma advogada lá e ganhei apenas uma bolsa Louis Vuitton - mas verdadeira", contou. Ela disse também ter viajado a bordo de um jato oficial do governo, o que teria sido uma cortesia do atual ministro em sua passagem pela AGU.
As inconfidências de Christiane sobre Gilberto Carvalho não contêm ingredientes picantes, mas são reveladoras de como foi exitoso o plano de Durval de infiltrar sua insinuante parceira entre petistas de alto coturno. A sucessão de histórias relatadas por ela deixa evidente um padrão, o velho estratagema de atrair, registrar e, depois, tendo em mãos elementos que possam comprometer a autoridade fisgada, apresentar as faturas. Christiane foi portadora de diversas ofertas de Durval a Gilberto Carvalho - uma delas, relatou a advogada, oferecia facilidades para investir a preço de custo no aquecido mercado imobiliário de Brasília. Durval era dono de mais de 250 imóveis na capital, boa parte deles comprada com dinheiro surrupiado dos cofres públicos. O ex-secretário desviou mais de 1 bilhão de reais nas contas do Ministério Público. Ele fazia as ofertas em troca de favores.
VEJA mostrou em março passado que, a mando de Durval, Christiane enviou e-mails ao "Querido Dr. Gilberto" pedindo a ele apoio à recondução do promotor Leonardo Bandarra ao cargo de chefe da promotoria de Brasília, decisão exclusiva do presidente da República. Gilberto Carvalho rechaça a insinuação de que tenha aceitado quaisquer favores de Christiane ou Durval. Diz ele: "Eu não estava nesse circuito do submundo. Estou impressionado com a criatividade dessa moça". O certo é que Lula fez exatamente o que a dupla de corruptos pleiteava. Bandarra foi reconduzido ao posto. Semanas depois de confirmada sua volta, Gilberto Carvalho enviou uma mensagem a Christiane. "Fiquei contente em ver nomeada a pessoa, Dr. Leonardo, que você indicara", escreveu ele. O retorno de Bandarra interessava a Durval Barbosa, que tinha com o promotor um acordo destinado a livrá-lo das investigações de envolvimento em desvios bilionários dos cofres de Brasília. O doutor Leonardo Bandarra logo se revelou mais um venal integrante da máfia. Foi afastado e hoje responde a cinco ações na Justiça. Uma delas diz respeito a propinas recebidas de Durval. Christiane relatou aos promotores que o tráfico de influência que praticava funcionava nos dois sentidos. Ela diz que foi portadora de pedidos de Gilberto Carvalho, então todo-poderoso chefe de gabinete de Lula, para que Durval topasse entregar aos órgãos de investigação os vídeos gravados por ele que revelavam o esquema de corrupção no governo do Distrito Federal - entre os quais a famosa e inesquecível imagem em que o então governador Arruda aparece recebendo propina. O escândalo derrubou Arruda e deu a vitória ao petista Agnelo Queiroz.
A linda doutora Christiane chegou a ocupar uma função estratégica no comitê central da campanha de Dilma Rousseff. Foi encarregada da relação com as igrejas evangélicas. Ela conversava pelo menos duas vezes por semana com Gilberto Carvalho e com outros coordenadores da campanha. Com Dilma eleita, a advogada foi nomeada para integrar a equipe de transição de governo. Foi exonerada depois da descoberta de que ela fora processada por participação na máfia dos sanguessugas, que desviava verba do Ministério da Saúde destinada à compra de ambulâncias. Coube a um compungido Gilberto Carvalho demiti-la. "Sinto muito", disse Carvalho à amiga em lágrimas. Antes disso, ela já chegara perto do poder. No auge do escândalo do mensalão, Christiane esteve no Palácio do Planalto ao lado do pai, Elói de Oliveira, fundador da igreja Tabernáculo do Deus Vivo, com sede em Maceió. O famoso profeta Elói foi ao palácio rezar por Lula e fazer previsões do que esperava o presidente. Desenhou cenários favoráveis. Desde então voltou outras vezes ao Planalto, sempre na companhia da filha. Em uma dessas visitas, em 2006, cravou que Lula não teria dificuldades em se reeleger. Também avisou que podia enxergar "uma cratera se abrindo no chão de São Paulo", o que causaria problemas para o governo estadual, do PSDB. A frase sobre a cratera foi entendida como uma previsão acertada do desabamento do canteiro de obras do metrô paulista, em janeiro de 2007, que deixou sete mortos. A fama das previsões do "profeta", agora em tratamento médico, fez dele um sucesso entre os políticos. Quando visitava o Congresso, deputados formavam fila para ser atendidos por ele e ouvir suas profecias. É ao sucesso do pai que Christiane atribuiu sua ascensão, inclusive a financeira.
Habituada a usar roupas, sapatos e bolsas de grife, a menina de infância pobre em Maceió gosta de mostrar que venceu na vida. No ano passado, depois de VEJA mostrar sua relação promíscua entre o petismo e Durval Barbosa, Christiane foi orientada a sumir de Brasília. Por uns dias, hospedou-se em uma fazenda nos arredores da capital. Depois, mudou-se para São Paulo. Só deu seu novo endereço a parentes e amigos muito próximos. Seu novo local de trabalho na capital paulista era um segredo guardado a sete chaves. VEJA localizou Christiane trabalhando no escritório de advocacia Lacaz Martins, nos Jardins. Tentou falar com Christiane Araújo quando ela chegava para o trabalho. Nesse momento a advogada apressou o passo e entrou num Jeep, que pertence a um sócio da banca de advocacia. Ao procurar por ela no escritório, a reportagem foi informada de que lá não trabalha nenhuma Christiane Araújo de Oliveira. Ricardo Lacaz Martins, dono do escritório e colega de turma de Toffoli no curso de direito da USP, diz que Christiane foi indicada por um advogado de Brasília e que passou "pelo processo de seleção como qualquer outro de nossos quase 100 advogados", sem que tenha havido nenhuma intervenção política ou de outra ordem na contratação. "Encontrei-me com Toffoli uma única vez, na festa de vinte anos de nossa formatura", diz o advogado paulista. Por escrito, o ministro Dias Toffoli nega todas as acusações feitas pela advogada: "Nunca recebi da Dra. Christiane Araújo fitas gravadas relativas ao escândalo ocorrido no governo do Distrito Federal". O ministro garante também que nunca frequentou o prédio citado por Christiane como local de encontro entre os dois e que nunca solicitou avião oficial para ela. Diz, por fim, que quando ocupava o cargo de advogado-geral da União recebeu Christiane uma única vez em seu gabinete, em uma audiência formal. Informado de que as revelações foram feitas pela própria Christiane em depoimento gravado a autoridades, no bojo de uma investigação oficial, o ministro optou por não comentar.
Os relatos da advogada ao Ministério Público e à polícia foram feitos em ocasiões distintas. O primeiro deles se deu em l5 de setembro de 2010. Após seu nome aparecer em outros depoimentos, um deles prestado pelo próprio Durval, Christiane foi chamada ao Ministério Público Federal. Em princípio, era para falar sobre suas ligações com a máfia. Não se sabe por que Christiane surpreendeu os policiais e promotores com suas inconfidências espontâneas sem relação direta com o objeto da investigação, citando a toda hora Toffoli e Gilberto Carvalho. O fato de ela arrolar gente tão importante de livre e espontânea vontade pode ser uma estratégia de defesa antecipada? Seria se as citações fossem desprovidas de contexto e evidências. Indagado por VEJA, o procurador encarregado de tomar o depoimento, Ronaldo Meira Albo, confirmou ter ouvido o relato de Christiane, sem entrar em detalhes sobre seu conteúdo. Disse ele: ""Todo o material, inclusive esse depoimento, foi encaminhado à Polícia Federal para ser anexado aos autos da Operação Caixa de Pandora". O depoimento no Ministério Público Federal foi acompanhado por policiais da Diretoria de Inteligência da Polícia Federal. Dias depois, Christiane foi chamada para uma conversa informal, dessa vez na PF, que resultou em seis horas de gravação. Estranhamente, as assombrosas revelações da advogada nesse novo depoimento, segundo a própria polícia, não fazem parte de nenhuma investigação. Por que será?
Com reportagem de Gustavo Ribeiro, de Maceió
É esse passado recente que a jovem advogada quer esquecer. Foi sobre isso que Christiane contou detalhes a órgãos de investigação, mostrando como lobbies políticos prosperam graças à força de um pouco de charme e seus corolários mais picantes. VEJA teve acesso ao teor dos dois depoimentos que Christiane prestou, no fim de 2010, a investigadores do Ministério Público Federal e da Polícia Federal. Ambos foram gravados em vídeo, outro em áudio. Christiane dá detalhes de como usou de sua intimidade com homens fortes do governo federal para traficar interesses de um grupo de corruptos de Brasília e de seu antigo chefe Durval Barbosa, ex-secretário de Relações Institucionais do Distrito Federal. Ela também conta como, numa via de mão dupla, essas figuras da corte federal exploraram o canal aberto com Durval, homem-bomba que a qualquer tempo poderia, como fez, implodir o governo de José Roberto Arruda, até então do opositor DEM, e facilitar a conquista da administração local pelo PT e a desmoralização do partido adversário em nível nacional. Dos relatos de Christiane, cronologicamente contextualizados, saltam dois personagens de proa do governo de Lula: José Antonio Dias Toffoli - ex-advogado do PT que se tornou advogado-geral da União e depois ministro do Supremo Tribunal Federal pelas mãos do ex-presidente - e Gilberto Carvalho, chefe de gabinete de Lula e hoje ministro da Secretaria-Geral da Presidência.
Expoentes da nata do primeiro escalão e petistas fervorosos, Toffoli e Carvalho têm também em comum a formação religiosa. Toffoli mantém uma relação estável há anos, é católico e irmão de um padre. Carvalho é casado e foi seminarista. A jovem Christiane e suas artes não combinam com o perfil público de nenhum deles. Nascida em uma família humilde de Alagoas, Christiane, que é evangélica, se mudou para Brasília há pouco mais de dez anos com o objetivo de se formar em direito. O pai, Elói, é um pastor a quem os crédulos atribuem o dom de curar e ver o futuro. Ele se intitula "profeta", e os políticos formam sua clientela predileta. Foi através de um deles que Christiane conseguiu emprego no Congresso Nacional. Sentiu-se à vontade no ambiente e, em pouco tempo, contava com uma enorme rede de amizades. Em 2007, aceitou o convite para trabalhar no governo do Distrito Federal com um certo Durval Barbosa, o delegado aposentado e corrupto contumaz que ficaria famoso, pouco depois, ao dar publicidade às cenas degradantes que levaram à cadeia o governador Arruda e à lona seus asseclas.
Sob as ordens de Durval, Christiane se transformou numa ferramenta a serviço da máfia brasiliense. Durval viu nela uma rara oportunidade de estender suas falcatruas para o nível federal. Os relatos de Christiane são o testemunho desse salto. Ela contou aos promotores e policiais que mantinha encontros secretos com Toffoli. Christiane afirma que, em um dos encontros, levou a Toffoli gravações do acervo de Durval Barbosa. A amostra, que Durval queria fazer chegar ao governo do PT, era uma forma de demonstrar seu potencial de deflagrar um escândalo capaz de varrer a oposição nas eleições de 2010. Há três semanas, VEJA publicou entrevista com Durval em que ele próprio disse ter enviado as gravações a Toffoli. O ministro negou a VEJA ter recebido a encomenda. Em seus depoimentos às autoridades, Christiane reafirma ter feito a entrega do material a Toffoli. Ela pode estar mentindo? Talvez. Toffoli pode ter recebido o pacote e o jogado fora sem se interessar pelo seu conteúdo. Talvez. Mas o que se sabe com certeza é que o objetivo de Durval foi atingido.
É especialmente perturbadora a revelação feita por Christiane sobre o local onde, segundo ela, se deram os encontros - um apartamento em que Durval armazenava caixas de dinheiro usado para fazer pagamentos a deputados distritais e que serviu de estúdio para vídeos incriminatórios. Os encontros de Christiane com os poderosos podem também ter sido gravados? "Essa é uma possibilidade que deve ser considerada", disse a VEJA, sob a condição de anonimato, um dos responsáveis pela apuração. É apavorante a hipótese de que um ministro do STF esteja refém de chantagens de mafiosos e corruptos. Christiane tinha acesso livre à Advocacia-Geral da União quando Toffoli comandava o órgão. "Levei uma advogada lá e ganhei apenas uma bolsa Louis Vuitton - mas verdadeira", contou. Ela disse também ter viajado a bordo de um jato oficial do governo, o que teria sido uma cortesia do atual ministro em sua passagem pela AGU.
As inconfidências de Christiane sobre Gilberto Carvalho não contêm ingredientes picantes, mas são reveladoras de como foi exitoso o plano de Durval de infiltrar sua insinuante parceira entre petistas de alto coturno. A sucessão de histórias relatadas por ela deixa evidente um padrão, o velho estratagema de atrair, registrar e, depois, tendo em mãos elementos que possam comprometer a autoridade fisgada, apresentar as faturas. Christiane foi portadora de diversas ofertas de Durval a Gilberto Carvalho - uma delas, relatou a advogada, oferecia facilidades para investir a preço de custo no aquecido mercado imobiliário de Brasília. Durval era dono de mais de 250 imóveis na capital, boa parte deles comprada com dinheiro surrupiado dos cofres públicos. O ex-secretário desviou mais de 1 bilhão de reais nas contas do Ministério Público. Ele fazia as ofertas em troca de favores.
VEJA mostrou em março passado que, a mando de Durval, Christiane enviou e-mails ao "Querido Dr. Gilberto" pedindo a ele apoio à recondução do promotor Leonardo Bandarra ao cargo de chefe da promotoria de Brasília, decisão exclusiva do presidente da República. Gilberto Carvalho rechaça a insinuação de que tenha aceitado quaisquer favores de Christiane ou Durval. Diz ele: "Eu não estava nesse circuito do submundo. Estou impressionado com a criatividade dessa moça". O certo é que Lula fez exatamente o que a dupla de corruptos pleiteava. Bandarra foi reconduzido ao posto. Semanas depois de confirmada sua volta, Gilberto Carvalho enviou uma mensagem a Christiane. "Fiquei contente em ver nomeada a pessoa, Dr. Leonardo, que você indicara", escreveu ele. O retorno de Bandarra interessava a Durval Barbosa, que tinha com o promotor um acordo destinado a livrá-lo das investigações de envolvimento em desvios bilionários dos cofres de Brasília. O doutor Leonardo Bandarra logo se revelou mais um venal integrante da máfia. Foi afastado e hoje responde a cinco ações na Justiça. Uma delas diz respeito a propinas recebidas de Durval. Christiane relatou aos promotores que o tráfico de influência que praticava funcionava nos dois sentidos. Ela diz que foi portadora de pedidos de Gilberto Carvalho, então todo-poderoso chefe de gabinete de Lula, para que Durval topasse entregar aos órgãos de investigação os vídeos gravados por ele que revelavam o esquema de corrupção no governo do Distrito Federal - entre os quais a famosa e inesquecível imagem em que o então governador Arruda aparece recebendo propina. O escândalo derrubou Arruda e deu a vitória ao petista Agnelo Queiroz.
A linda doutora Christiane chegou a ocupar uma função estratégica no comitê central da campanha de Dilma Rousseff. Foi encarregada da relação com as igrejas evangélicas. Ela conversava pelo menos duas vezes por semana com Gilberto Carvalho e com outros coordenadores da campanha. Com Dilma eleita, a advogada foi nomeada para integrar a equipe de transição de governo. Foi exonerada depois da descoberta de que ela fora processada por participação na máfia dos sanguessugas, que desviava verba do Ministério da Saúde destinada à compra de ambulâncias. Coube a um compungido Gilberto Carvalho demiti-la. "Sinto muito", disse Carvalho à amiga em lágrimas. Antes disso, ela já chegara perto do poder. No auge do escândalo do mensalão, Christiane esteve no Palácio do Planalto ao lado do pai, Elói de Oliveira, fundador da igreja Tabernáculo do Deus Vivo, com sede em Maceió. O famoso profeta Elói foi ao palácio rezar por Lula e fazer previsões do que esperava o presidente. Desenhou cenários favoráveis. Desde então voltou outras vezes ao Planalto, sempre na companhia da filha. Em uma dessas visitas, em 2006, cravou que Lula não teria dificuldades em se reeleger. Também avisou que podia enxergar "uma cratera se abrindo no chão de São Paulo", o que causaria problemas para o governo estadual, do PSDB. A frase sobre a cratera foi entendida como uma previsão acertada do desabamento do canteiro de obras do metrô paulista, em janeiro de 2007, que deixou sete mortos. A fama das previsões do "profeta", agora em tratamento médico, fez dele um sucesso entre os políticos. Quando visitava o Congresso, deputados formavam fila para ser atendidos por ele e ouvir suas profecias. É ao sucesso do pai que Christiane atribuiu sua ascensão, inclusive a financeira.
Habituada a usar roupas, sapatos e bolsas de grife, a menina de infância pobre em Maceió gosta de mostrar que venceu na vida. No ano passado, depois de VEJA mostrar sua relação promíscua entre o petismo e Durval Barbosa, Christiane foi orientada a sumir de Brasília. Por uns dias, hospedou-se em uma fazenda nos arredores da capital. Depois, mudou-se para São Paulo. Só deu seu novo endereço a parentes e amigos muito próximos. Seu novo local de trabalho na capital paulista era um segredo guardado a sete chaves. VEJA localizou Christiane trabalhando no escritório de advocacia Lacaz Martins, nos Jardins. Tentou falar com Christiane Araújo quando ela chegava para o trabalho. Nesse momento a advogada apressou o passo e entrou num Jeep, que pertence a um sócio da banca de advocacia. Ao procurar por ela no escritório, a reportagem foi informada de que lá não trabalha nenhuma Christiane Araújo de Oliveira. Ricardo Lacaz Martins, dono do escritório e colega de turma de Toffoli no curso de direito da USP, diz que Christiane foi indicada por um advogado de Brasília e que passou "pelo processo de seleção como qualquer outro de nossos quase 100 advogados", sem que tenha havido nenhuma intervenção política ou de outra ordem na contratação. "Encontrei-me com Toffoli uma única vez, na festa de vinte anos de nossa formatura", diz o advogado paulista. Por escrito, o ministro Dias Toffoli nega todas as acusações feitas pela advogada: "Nunca recebi da Dra. Christiane Araújo fitas gravadas relativas ao escândalo ocorrido no governo do Distrito Federal". O ministro garante também que nunca frequentou o prédio citado por Christiane como local de encontro entre os dois e que nunca solicitou avião oficial para ela. Diz, por fim, que quando ocupava o cargo de advogado-geral da União recebeu Christiane uma única vez em seu gabinete, em uma audiência formal. Informado de que as revelações foram feitas pela própria Christiane em depoimento gravado a autoridades, no bojo de uma investigação oficial, o ministro optou por não comentar.
Os relatos da advogada ao Ministério Público e à polícia foram feitos em ocasiões distintas. O primeiro deles se deu em l5 de setembro de 2010. Após seu nome aparecer em outros depoimentos, um deles prestado pelo próprio Durval, Christiane foi chamada ao Ministério Público Federal. Em princípio, era para falar sobre suas ligações com a máfia. Não se sabe por que Christiane surpreendeu os policiais e promotores com suas inconfidências espontâneas sem relação direta com o objeto da investigação, citando a toda hora Toffoli e Gilberto Carvalho. O fato de ela arrolar gente tão importante de livre e espontânea vontade pode ser uma estratégia de defesa antecipada? Seria se as citações fossem desprovidas de contexto e evidências. Indagado por VEJA, o procurador encarregado de tomar o depoimento, Ronaldo Meira Albo, confirmou ter ouvido o relato de Christiane, sem entrar em detalhes sobre seu conteúdo. Disse ele: ""Todo o material, inclusive esse depoimento, foi encaminhado à Polícia Federal para ser anexado aos autos da Operação Caixa de Pandora". O depoimento no Ministério Público Federal foi acompanhado por policiais da Diretoria de Inteligência da Polícia Federal. Dias depois, Christiane foi chamada para uma conversa informal, dessa vez na PF, que resultou em seis horas de gravação. Estranhamente, as assombrosas revelações da advogada nesse novo depoimento, segundo a própria polícia, não fazem parte de nenhuma investigação. Por que será?
Com reportagem de Gustavo Ribeiro, de Maceió
Muito obrigado por disponibilizar o texto que, entre outros possíveis títulos, poderia também ter sido chamado de "crimes ecológicos: trepadeira & sanguessugas".
ResponderExcluirMauro Balbino.