domingo, fevereiro 05, 2012

O medo do fim e o sentido da vida - MARCELO GLEISER


FOLHA DE SP - 05/02/12


Para um cientista que gosta do seu trabalho, a busca pelo conhecimento sobre o mundo natural é uma fonte constante de inspiração (e de transpiração!). Os cálculos, o equipamento nos laboratórios e nos observatórios e os computadores são as ferramentas que dão estrutura ao conteúdo do seu trabalho, da mesma forma que a tela, as tintas e o pincel dão estrutura à arte do pintor. Escrevo isso porque recentemente li um artigo em um blog da "Revista de Negócios de Harvard" ("Harvard Business Review") em que o autor, Umair Haque, pergunta o que traz sentido à vida.
No mesmo dia em que li o artigo de Haque, ouvi uma palestra de Anthony Aveni, uma autoridade mundial em arqueoastronomia, especialista nos maias. O tema tratava da famosa "previsão" de que no dia 21 de dezembro de 2012 o calendário Maia acaba e, com ele, o mundo.
Aveni demonstrou a falácia dessa história examinando a "evidência": uma simbologia que deve ser interpretada do mesmo modo que outros fins de calendário dos maias e de outras culturas.
Em termos de causas cósmicas, não há qualquer motivo para alarme. Alinhamentos planetários como o previsto para o fim do ano são irrelevantes e já ocorreram diversas vezes. Só como exemplo, as marés são causadas principalmente pela Lua e pelo Sol. O efeito de Vênus, o planeta mais próximo da Terra, sobre as marés é menor do que um milésimo de centímetro!
Mais interessante é a origem do medo apocalíptico e o modo como ele ocorre em diversas culturas. Isso já examinei no livro "O Fim da Terra e do Céu"* (Cia das Letras, 2001). Aqui, voltamos ao ponto levantado por Haque. Será que o medo do fim reflete um temor de ter desperdiçado a vida? De que ao chegarmos ao fim da linha não teremos nada que nos fará olhar para trás com um senso de realização?
Haque foca seu artigo na busca por algo que dê sentido e valor à vida. Afirma que perdemos tempo demais com trivialidades e que, por isso, julgamos levar uma existência vazia. Deveríamos, sugere, investir mais em criar algo que sobreviva ao "teste do tempo". Para ele, o sentido da vida está no seu legado.
Somos criaturas limitadas pelo tempo, com um início e um fim. O medo do fim, ao menos em parte, vem da falta de controle sobre a passagem do tempo. Não sabemos quando o nosso fim pessoal chegará. Então tentamos manter nossa presença mesmo após não estarmos mais presentes fisicamente. Isso porque só deixaremos de existir quando formos esquecidos. (O que você sabe do seu tataravô ou de outro parente do passado distante?)
Não há nada de elitista nesse legado. Não precisa ser um Nobel, uma sinfonia ou um poema imortal. Ser devoto à família, criar uma receita que passa de geração em geração, melhorar a vida de alguém, inspirar estudantes, tudo dá sentido à vida. A dificuldade dessa discussão está na questão do valor. O que tem valor para mim pode não ter para você e vice-versa.
O que importa é o que se faz com a vida que se tem e não com a vida que um dia não vai existir mais. Se temos saúde, a coisa mais importante é a liberdade. Ser livre é poder escolher ao que se prender. Com apocalipse ou não, uma vida bem vivida será sempre curta demais.

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