terça-feira, fevereiro 21, 2012
Desafios do financiamento do agronegócio - ANTÔNIO M. BUAINAIN
O Estado de S.Paulo - 21/02/12
A cada safra volta à tona o problema do financiamento da agricultura brasileira, cujo padrão produtivo e cultura foram, pelo menos em parte, formados no ambiente de crédito farto e barato que prevaleceu até meados da década de 1980.
A crise da política agrícola foi um processo longo, marcado por intervenções e omissões do Estado, por um "padrão de intervenção caótico" que deixou sequelas negativas, dentre elas o endividamento e o empobrecimento da agenda de desenvolvimento do setor. A crise da política agrícola dominou a agenda política do setor durante mais de uma década, e um novo padrão só começou a emergir no início dos anos 90, com o reconhecimento da incapacidade de o Estado manter o crédito altamente subsidiado, honrar os preços prometidos pela política de garantia de preços mínimos e assegurar a assistência técnica universal. Ainda hoje, o financiamento é apontado como um dos principais gargalos para o crescimento sustentável do setor.
É bastante difundida a visão de que a agricultura brasileira depende totalmente dos recursos públicos, que o agricultor é descapitalizado e só consegue produzir porque conta com crédito rural oficial e condições especiais de financiamento. O trabalho de dissertação de mestrado em Economia na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Financiamento da cadeia de grãos no Brasil: o papel das tradings e fornecedores de insumos, defendido por Felipe Prince Silva, no início de fevereiro, apresenta evidências suficientes para questionar tal ideia.
O estudo parte de um aparente paradoxo: se a agricultura é tão dependente do crédito oficial, como explicar o forte dinamismo e a consolidação do setor na Região Centro-Oeste do País justamente no período mais intenso da crise da política agrícola e de redução de recursos públicos?
Para entender a questão, o trabalho analisa os modelos de crédito rural praticados no Brasil, no âmbito do crédito agrícola oficial e do crédito agrícola comercial privado, crédito não oficial e crédito informal; e quantifica e compara o papel desempenhado pelos agentes privados e pelo setor público no financiamento de custeio de grãos, tomando como exemplos a soja e o milho nas Regiões Centro-Oeste e Sul.
A primeira conclusão é de que no Sul do País predomina o modelo de crédito agrícola oficial, feito pelos bancos comerciais - principalmente o Banco do Brasil - e pelas cooperativas de crédito, enquanto no Centro-Oeste o financiamento se baseia principalmente no crédito agrícola comercial privado, feito por agentes não bancários, como agroindústrias, fornecedores de insumos e tradings.
De acordo com o trabalho, a partir de dados do Banco Central e da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), na Região Sul o crédito agrícola oficial atendeu a 70% da demanda de crédito da soja e a 59% do milho na safra 2010/2011, e apenas a 32% e a 31% na Região Centro-Oeste. Para Prince Silva, "a capacidade dos agentes do agronegócio (a montante e a jusante) de se organizar e criar instituições e mecanismos para suprir a insuficiência de crédito oficial são elementos fundamentais para explicar a expansão da produção na região, mesmo em um cenário de redução dos recursos do Estado".
A segunda conclusão é de que nas duas regiões os produtores aportam porcentuais relevantes de recursos próprios para custear a produção, uma vez que a política agrícola limita o valor do crédito contratado em R$ 650 mil por tomador (controlado pelo CPF). Esse teto é insuficiente para atender às necessidades de custeio da maioria dos produtores de grãos do Centro-Oeste, que produzem em maior escala, e impõe severas restrições até mesmo no Sul do País. Isso obriga o produtor a buscar financiamento privado extrabancário ou a utilizar autofinanciamento, cuja parcela tem aumentado.
Trata-se, sem dúvida, de um fato positivo, em especial porque reduz a exposição do produtor ao risco de inadimplência. Mas tem também um aspecto negativo, pois reduz a disponibilidade de recursos para aqueles "pequenos gastos" que não são objeto de financiamento, mas que são muito importantes para a sustentabilidade da unidade produtiva e do negócio.
Os problemas do modelo oficial são conhecidos, e o estudo revela vantagens e desvantagens do modelo de financiamento privado predominante no Centro-Oeste.
A primeira vantagem é a própria autonomia em relação aos recursos oficiais, que no passado flutuaram de forma muito errática. O financiamento privado extrabancário também permite melhor gestão dos recursos, com efeitos importantes nos custos de produção. Um exemplo é a possibilidade de comprar os insumos na entressafra, quando os preços estão mais baixos, e evitar a conhecida novela do atraso da liberação dos recursos oficiais, que não raramente chegam tarde demais.
Além disso, o financiamento é associado à garantia de comercialização e à fixação de preço, o que reduz fortemente os riscos de mercado na medida em que os produtores fecham de forma antecipada os custos de produção e o preço de venda, deixando em aberto apenas o risco climático que hoje pode ser parcialmente segurado.
O lado negativo é que o "modelo do Centro-Oeste torna a região mais vulnerável à volatilidade do fluxo de recursos financeiros". Como os fornecedores de insumos e tradings que financiam a produção captam parte dos recursos no mercado de crédito internacional, "um cenário de crise econômica externa e queda de liquidez pode provocar diminuição da produção na região, colocar em risco os investimentos realizados e os benefícios gerados pelas exportações...".
Finalmente, talvez o ponto mais negativo "é o encarecimento das linhas de capital de giro para os produtores da região, já que as taxas de juros pagas são entre duas e três vezes mais elevadas que as taxas de juros com recursos controlados". É caro, mas está disponível, enquanto o oficial é mais barato, continua chegando tarde, muitas vezes não chega e ainda é insuficiente. E vem empacotado em serviços extras que o encarecem em alguns pontos porcentuais. Mesmo assim, o "modelo brasileiro" de financiamento privado é, atualmente, exemplo para muitos países.
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