sexta-feira, fevereiro 17, 2012

Crédito pós-crise foi para consumo - CLAUDIA SAFATLE

VALOR ECONÕMICO - 17/02/12

Entre dezembro de 2008 - auge da crise financeira internacional - e dezembro de 2011 - auge da crise de dívida soberana nas economias desenvolvidas - o crédito no Brasil cresceu 10,7 pontos percentuais, passando de 38,4% do Produto Interno Bruto (PIB) para 49,1% do PIB. Cerca de 77% dessa expansão foi produto da ação dos bancos públicos.

Do aumento, apenas 3,4 pontos percentuais do PIB foram destinados às empresas e desses, 3,3 pontos do produto foram de responsabilidade do BNDES. Ou seja: sem o BNDES, o crédito bancário para a realização de negócios no país estaria hoje onde estava há pouco mais de três anos. O que cresceu foi o crédito para consumo.

O processo pós-crise de 2008, portanto, representou uma inversão radical em relação ao que vinha ocorrendo três anos antes. De 2005 a 2008 a expansão do crédito no país foi de 12,2 pontos percentuais do PIB, dos quais 7 pontos do produto destinaram-se às empresas e desses, apenas 1,1 ponto percentual foi da alçada do BNDES.

O crescimento da oferta de empréstimos e financiamentos incentivou pouco os investimentos. Em 2011 a formação bruta de capital fixo correspondeu a cerca de 19,5% do PIB, uma performance parecida com a de 2008.

A engenharia montada para transferir recursos públicos ao BNDES e desse para o Banco do Brasil, para a Petrobras e para o setor financeiro e real da economia, gerou uma rede de complexas interconexões, com um resultado líquido e certo: o aumento do endividamento público.

Para liderar a expansão do crédito, as instituições públicas tiveram que captar recursos no Tesouro Nacional. Para prover seus bancos, o Tesouro emitiu dívida, cujos títulos foram absorvidos pelo mercado financeiro. E esse preferiu concentrar suas aplicações no curtíssimo prazo, por meio das operações compromissadas do Banco Central.

Para destrinchar essa teia o economista José Roberto Afonso, especialista em finanças públicas, fez um extenso estudo que será publicado na revista da Fundação do Desenvolvimento Administrativo (Fundap), do governo de São Paulo.

Pela óptica fiscal, a oferta de crédito do governo aumentou de 8,5% do PIB para 14,5% do PIB entre 2008 e 2011. O impacto dessa elevação sobre o endividamento é identificável no conceito clássico de dívida bruta, que considera toda a carteira de títulos do Banco Central. Por esse conceito a dívida era de 59,6% do PIB em agosto de 2008 (véspera da quebra da Lehman Brothers), subiu para 66,6% em 2009 e caiu para 64,2% do PIB no ano passado.

"O ativismo creditício estatal, na prática, se confundiu com uma expansão fiscal", constata José Roberto. No caso do BNDES, o total de crédito saltou de 6,1% do PIB em 2008 para 10,2% do PIB em 2011.

A dependência do BNDES aos empréstimos do Tesouro Nacional se tornou de tal forma elevada que o saldo desses recursos na instituição representa o dobro do saldo acumulado no Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), de cerca de R$ 150 bilhões, antes a principal fonte de funding do banco estatal.

Uma das particularidades da reação à crise foi a acentuada exposição do BNDES na Petrobras, que passou a representar 82% do patrimônio de referência do banco, segundo o estudo. Para tanto, foi preciso que o Banco Central autorizasse que a exposição de crédito na empresa de petróleo fosse contada não para o grupo empresarial, mas para cada uma das suas empresas.

Assim, a participação do BNDES na reestruturação patrimonial das empresas logo após o "crash" de 2008 não se limitou a dar saída à crise dos derivativos cambiais que abalou cerca de 200 companhias brasileiras, mas se estendeu para uma relação quase umbilical com bancos e empresas públicas.

"O BNDES foi um Fed (banco central americano). O que o Fed fez nos Estados Unidos o banco fez aqui", comenta o economista. Só que parte dos recursos do banco voltou para o próprio Tesouro Nacional. O BNDES comprou do Tesouro ações da Petrobras e pagou dividendos.

No fim das contas, foi a atuação dos bancos públicos na expansão do crédito que permitiu uma saída rápida da recessão em 2009, mais do que os estímulos fiscais concedidos à época, diz José Roberto.

Segundo ele, por trás do manejo da carteira de títulos do BC escondem-se duas formas de endividamento: o recolhimento compulsório dos bancos, em grande parte remunerado pela Selic, e as operações compromissadas. No caso dos compulsórios, é curioso observar o forte aumento que houve de 2008 para cá. Esses depósitos representavam 4% do PIB em agosto de 2008 (antes da crise) e saltaram para 8,9% do PIB em dezembro de 2011. As operações compromissadas do BC também cresceram muito por causa da esterilização das reservas cambiais.

Com todos esses arranjos, a dívida bruta no cálculo mais restrito, usado pelo BC, chegou em dezembro de 2011 equivalente a 54,3% do PIB, mais elevada do que a média de 37% do PIB nos países emergentes do G-20. Já as projeções de crescimento econômico do país mostram um dinamismo aquém da média dos emergentes. A expectativa é de que o Brasil acumule uma expansão de 18,1% até 2013, ante 30,5% das economias emergentes (considerando a média de 2005/2008 e dados da Unctad).

A partir da visão do que ocorreu no passado recente, o economista aponta para a necessidade de se buscar um novo padrão de financiamentos no país com a criação de um mercado de dívida privada, uso de parte dos compulsórios para viabilizar projetos de longo prazo e a atuação dos bancos oficiais mais como seguradoras desses projetos.

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