terça-feira, fevereiro 14, 2012
As metamorfoses em 32 anos de PT - EDITORIAL O GLOBO
O Globo - 14/02/12
Ser convidado especial de parte da cúpula do PT à festa dos 32 anos do partido, na sexta, em São Paulo, não livrou o prefeito Gilberto Kassab, artífice e presidente do PSD, de ser saudado por sonora vaia pela militância. E, na presença do candidato de Lula à sua sucessão, Fernando Haddad, para quem o ex-presidente quer o seu apoio, ainda teve de ouvir Rui Falcão, mais elevado dirigente do partido, discursar que o importante é não sucumbir "à tentação das alianças fáceis, que quebram a nitidez dos compromissos". Para completar: "O PT não pode se deixar levar pelo pragmatismo exagerado." Ora, mas é tudo o que a legenda tem feito nos últimos dez anos anos. Lançado como partido classista — opção feita pelos sindicalistas do ABC na década de 80, a esquerda católica que os apoiava e egressos da luta armada —, o PT precisou ser derrotado em três eleições presidenciais para se abrir a alianças à direita. Mas exagerou na dose e nos métodos. Tanto que não passa de hipocrisia vaiar Kassab e o PSD, nascido de várias costelas do DEM, enquanto adula coronéis patrimonialistas do Norte e Nordeste, abrigados no PMDB, de frente da oposição à ditadura convertido em federação de interesses regionais.
A formação acadêmica do sociólogo Fernando Henrique Cardoso já o fizera entender que, num país como o Brasil, politicamente conservador, seria impossível a esquerda chegar ao poder pelo voto sem aliados. Daí a aliança do PSDB com o PFL, depois batizado de DEM, e frações do PMDB — as que sempre estão do lado do Planalto, não importam os inquilinos. Foi um acordo partidário bem-sucedido, porque permitiu reformas essenciais para o Brasil dar um salto: privatizações, responsabilidade fiscal, fim de monopólios, entre outras. Lula e grupo só perceberiam a fatalidade de um partido classista, de esquerda, ser minoritário no Brasil depois da terceira derrota em eleições presidenciais, duas delas consecutivas para FH e tucanos. Foram, então, em busca de alianças, um avanço diante do retrógrado sectarismo petista. Mas erraram ao negociar, nas alianças, o inegociável: acesso franco ao Tesouro, empreguismo, aparelhamento da máquina pública, olhos cegos para a corrupção, a ponto de a própria cúpula do partido trabalhar na montagem da "organização criminosa" do mensalão. O partido que tanto pregou obediência a "práticas republicanas" fez o oposto e deixou uma herança pesada para o governo Dilma Rousseff.
Obrigada a gerenciar num ciclo de crise mundial, muito diferente daquele de que se beneficiou Lula, a presidente precisa lidar com uma estrutura burocrática ineficiente, inchada de indicações políticas, incapazes de dar qualidade à gestão pública.
Bem ou mal, porém, o partido demonstra ter metabolismo para aprender com os erros.
Mesmo que demore. Foi assim no primeiro governo Lula (2003-06), quando o Palácio adotou princípios pétreos de política econômica (meta de inflação, equilíbrio fiscal, câmbio flutuante), já sinalizadas na Carta ao Povo Brasileiro, divulgada na campanha, e, com isso, evitou uma hecatombe econômica. Outro caso exemplar da capacidade de aprendizado petista é a privatização — ou licitação, tanto faz — de aeroportos.
Mas este processo evolutivo enfrenta tensões, demonstra a vaia emblemática a Kassab.
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