quinta-feira, janeiro 19, 2012

Quando empréstimo vira receita primária - RIBAMAR OLIVEIRA

VALOR ECONÔMICO - 19/01/12

Um dos fatos mais importantes na área fiscal brasileira, ocorrido na década passada, foi que as empresas estatais passaram a depender cada vez menos de recursos do Tesouro Nacional e a dar lucro, muito lucro. O bom resultado das estatais ao longo dos últimos anos encheu os cofres públicos, sob a forma de dividendos.

Até mesmo a Petrobras, a maior empresa estatal brasileira, pagava poucos dividendos ao Tesouro. Em 1997 foram apenas R$ 181,9 milhões. Naquele mesmo ano, os dividendos pagos pelo Banco do Brasil foram de R$ 60,98 milhões, enquanto a Caixa Econômica Federal (CEF) simplesmente não pagou nada. Atualmente, todas as grandes estatais federais apresentam lucros expressivos e transferem recursos consideráveis ao Tesouro.

A receita do Tesouro com dividendos em 1997 foi de apenas R$ 822,4 milhões. No ano passado, ela ficou em R$ 19,7 bilhões, tendo chegado a R$ 26,7 bilhões em 2009, de acordo com dados da Secretaria do Tesouro Nacional (STN). Hoje, essa receita passou a ser essencial para o fechamento das contas do governo federal.

Há uma questão, no entanto, que merece ser analisada. Os dados da STN mostram que a "explosão" da receita anual com dividendos ocorreu a partir de 2008, quando ela superou, pela primeira vez, a marca dos R$ 10 bilhões. Em 2007, a receita do Tesouro com dividendos foi de R$ 6,98 bilhões, passando para R$ 13,4 bilhões no ano seguinte, R$ 26,7 bilhões em 2009, R$ 22,4 bilhões em 2010 e R$ 19,7 bilhões no ano passado.

Embora todas as grandes estatais tenham elevado muito o valor dos dividendos pagos ao Tesouro, pois os lucros delas cresceram muito no período considerado, a "explosão" coincide com o aumento dos pagamentos feitos pelo BNDES. Em 2007, o BNDES pagou R$ 923,6 milhões ao Tesouro, sob a forma de dividendos. Isto equivalia a 13,2% da receita total da União com dividendos. Em 2008, o valor subiu para R$ 6,02 bilhões, o que correspondeu a 45% do total.

Nos anos seguintes, a participação do BNDES no total continuou significativa, tendo chegado a incríveis 54,1% do total em 2009. Toda receita do Tesouro, inclusive os dividendos, é apurada pelo regime de caixa. As estatais, por sua vez, contabilizam os lucros em seus balanços pelo conceito de competência. Isto significa que parte dos recursos que ingressam no caixa do Tesouro é proveniente de pagamentos referentes a exercício anterior.

Nos últimos quatro anos (de 2008 a 2011), o BNDES pagou um total de R$ 37,5 bilhões em dividendos ao Tesouro (veja tabela abaixo). Para se ter uma ideia, essa receita é maior do que toda a arrecadação do governo federal com o Imposto sobre Operações Financeira (IOF) no ano passado e muito próximo do que foi arrecadado também em 2011 com a Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS).

O aumento do pagamento de dividendos pelo BNDES decorreu da elevação da lucratividade dessa instituição financeira. Em 2007, o lucro líquido do BNDES foi de R$ 7,3 bilhões. Em 2010 (último dado disponível, pois o balanço de 2011 ainda não foi divulgado), o lucro já estava em R$ 9,9 bilhões.

Mas esse aumento da lucratividade do BNDES resultou, em grande medida, dos empréstimos que o Tesouro Nacional passou a fazer para a instituição financeira a partir de 2008. Daquele ano até 2011, os empréstimos totalizaram R$ 287,5 bilhões. A justificativa do governo para eles é que a crise financeira internacional reduziu os recursos disponíveis para as empresas brasileira e que os bancos não conseguem oferecer financiamentos de longo prazo para os investimentos.

Essa montanha de dinheiro permitiu um aumento significativo das operações do banco no mercado, o que turbinou o seu lucro operacional. Ampliou-se, concomitantemente, um outro componente do lucro. Os empréstimos são feitos pelo Tesouro por meio da emissão de títulos públicos. Os papéis são entregues ao BNDES, que não monetiza todos os títulos de uma única vez. Enquanto isso não acontece, a instituição financeira lucra com esses papéis, que são, geralmente, remunerados pela Selic.

Ao analisar as contas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva relativas a 2010, o Tribunal de Contas da União (TCU) observou em seu relatório que "o lucro do BNDES foi de R$ 9,9 bilhões (naquele ano), dos quais R$ 8,4 bilhões como "resultado com aplicações em títulos e valores mobiliários", de acordo com as demonstrações financeiras da estatal".

Dito de uma forma mais direta: parte expressiva do lucro do BNDES decorreu da remuneração dos títulos que lhes foram repassados pelo Tesouro. Esse lucro deu origem aos dividendos pagos. Falta calcular que proporção dos dividendos pagos de 2008 a 2011 decorreu desse ganho financeiro.

O fato, no entanto, é que operações financeiras (empréstimos ao BNDES) deram origem a uma receita primária do Tesouro Nacional (dividendos), que pagou despesas primárias durante os últimos quatro anos. Essa é, certamente, uma questão polêmica na área técnica.

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